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Publicada em 26 de Março de 2018 às 13:57

Aplicativos como Uber e Airbnb reviram engrenagens da economia

Aplicativos de mobilidade impactaram a vida das pessoas

Aplicativos de mobilidade impactaram a vida das pessoas

MAURO PIMENTEL/AFP/JC
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Alexandre Elmi
Um número projetado pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) ilustra o impacto que a lógica do compartilhamento pode ter na vida das pessoas, sobretudo nas grandes cidades. Conforme a pesquisa, os sistemas de transporte compartilhados, entre eles aplicativos como Uber, Cabify e 99, reduziriam em até 90% a circulação de automóveis no futuro, quando boa parte da população abraçar a ideia de que não é preciso possuir um carro para ter mobilidade. A projeção foi feita para as ruas de Lisboa, Portugal, mas os técnicos da organização imaginam que o percentual poderia ser o mesmo em outras cidades.
Um número projetado pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) ilustra o impacto que a lógica do compartilhamento pode ter na vida das pessoas, sobretudo nas grandes cidades. Conforme a pesquisa, os sistemas de transporte compartilhados, entre eles aplicativos como Uber, Cabify e 99, reduziriam em até 90% a circulação de automóveis no futuro, quando boa parte da população abraçar a ideia de que não é preciso possuir um carro para ter mobilidade. A projeção foi feita para as ruas de Lisboa, Portugal, mas os técnicos da organização imaginam que o percentual poderia ser o mesmo em outras cidades.
O furacão provocado por aplicativos como o Uber e sistemas de compartilhamento como o Airbnb revira as engrenagens da economia, sacode a postura tradicional das marcas e espalha uma nova consciência entre os consumidores de todos os setores, não apenas os de transporte e hospedagem. O Uber realizou 4 bilhões de viagens em 2017, e mais de 300 milhões de hóspedes já encontraram uma acomodação por meio do Airbnb, mas não são apenas as gigantes do compartilhamento que inspiram a mudança. Velhas e novas marcas, pequenos e grandes negócios buscam se adaptar à tendência.
Estudiosa do comportamento das marcas e da lógica do consumo, a publicitária Silvia Koch, sócia da empresa Humanizando Marcas, entende que há uma mudança cultural profunda em curso e que o sucesso das gigantes do compartilhamento é apenas a face mais visível da história. "As pessoas começaram a se dar conta de que só ter não traz felicidade, por isso alteraram a sua forma de viver. Hoje se deseja muito mais estar em conjunto com o outro do que sozinho", explica Silvia, para quem essa ânsia de convivência também está transformando o consumo e o capitalismo. Além da tecnologia, a publicitária enxerga na crise financeira internacional de 2008 a origem desta nova fase.
As marcas estão tendo de se adaptar a esta nova forma mais humanizada de gastar. Para Sílvia, as atuais experiências de compartilhamento acabaram criando um novo tipo de ligação entre produtos e serviços e os clientes, baseada na conexão emocional e também na experiência. "Existe um novo ter, misturado com o ser. O ter nunca vai acabar, mas começa a mudar. Agora pode ser um ter por troca, e nesta troca pode vir uma baita experiência", aponta. Esta transição é tão poderosa, na visão da publicitária, que é praticamente impossível ficar imune ou insensível, já que ela se apresenta de maneira onipresente: está na opção por escolher um hostel no lugar de um hotel tradicional ou no sistema de bicicletas coletivas que colore as ruas das grandes cidades. "Repetimos muito o que as pessoas fazem. Pela lógica do consumo, imito para o bem e para o mal, imito querendo consumir, mas também entro na onda quando há uma nova consciência", garante.
Praticamente não há setor da economia que não vivencie experiências de compartilhamento. Até mesmo em serviços de streaming consagrados, como Netflix e Spotify, há vestígios desta nova mentalidade, marcada pelo desapego. Não preciso mais acumular grandes acervos físicos de filmes ou músicas: pago mensalmente pelo uso compartilhado de coleções gigantescas, às quais provavelmente nunca teria acesso se não fosse um assinante. Está presente, por exemplo, no projeto QueroCompartilhar, que oferece a possibilidade de ter acesso a embarcações ou residências em áreas turísticas no Brasil, ou no sistema de aluguel de roupas por assinatura Rent the Runway, nos Estados Unidos, com planos de US$ 30 a US$ 159 para ter acesso a peças de grife.
Com uma proposta aparentemente parecida com a da Rent, a roupoteca Rêver, em Porto Alegre, também oferece a possibilidade de assinaturas. Mas o que a torna diferente da experiência norte-americana foi a decisão da criadora do projeto, Duannee Cerutti, de incorporar e radicalizar os princípios da cooperação e da conexão, em nome de um ideal de transformação da sociedade. A Rêver está instalada em um espaço, o Origami CO., organizado por Duannee e o sócio André Di Napoli Pacheco, que transpira uma atmosfera de compartilhamento e convivência com foco no pensamento criativo, no debate de temas contemporâneos e na colaboração. A moda está ali como elemento de conexão. "As ideias ganham força quando a gente as divide com as pessoas certas. Juntos fisicamente a gente tem mais poder de mudança do que dando um like", garante Duannee.
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No Origami funciona um coworking, um café, um espaço para eventos, além da roupoteca. Para romper o ciclo da moda fast fashion, Duannee desenvolveu o projeto de aluguel de roupas, individual ou por assinatura, justamente para aproximar o mercado gaúcho de mais uma experiência de consumo consciente. A Rêver - sonhar, em francês - trabalha com marcas de moda autoral, com tecidos versáteis, numerações universais e roupas agênero, justamente para ampliar a vida útil da peça. "É uma mudança de cultura. Por que o aluguel não é usado para acessar estes produtos que são difíceis de comprar?", provoca Duannee. Há três planos de assinatura, por R$ 99,00, R$ 200,00 e R$ 400,00, pelos quais o cliente pode levar três, cinco ou 10 peças por mês, além de um acessório. A roupa é alugada individualmente, mas existe a opção de compra nova ou com desconto de 10% a cada aluguel. "O que vejo de mais transformador no compartilhamento é o desapego, a liberdade", afirma a empresária.
O espírito de compartilhamento transborda dos setores criativos e também conquista áreas mais conservadores da economia, resistentes à inovação. Foi o que aconteceu com a Wikihaus, uma incorporadora cuja marca carrega no próprio nome a vontade de colaborar. Há quatro anos, o administrador de empresas Eduardo Pricladnitzki e os engenheiros Enio Pricladnitzki, pai de Eduardo, e Alexandre Dode de Almeida, deixaram para trás carreiras sólidas em incorporadoras tradicionais de Porto Alegre. O elo entre os três, segundo Eduardo Pricladnitzki, estava na busca por negócios mais nichados, sem a escala e os números impiedosos dos grandes lançamentos imobiliários.
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Eduardo Pricladnitzki lembra que tomou contato com o tema da colaboração ao ler o livro Wikinomics, de Don Tapscott e Anthony Williams, em 2008. Foi ali que despertou para o potencial da colaboração massiva. Quando resolveu dar um giro na vida profissional, pensou neste caminho. "Intuitivamente, eu achava que podia montar uma empresa mais colaborativa, já que o nosso mercado era tradicionalmente mais fechado", revela Eduardo Pricladnitzki. Para ele, a Wikihaus acabou refletindo o modelo de vida dos sócios fundadores, que acreditavam no conceito da colaboração e do código aberto, além de estarem conscientes da responsabilidade de uma incorporadora em decidir o rumo do crescimento de uma cidade. "Sempre fui da ideia de mostrar tudo o que faço para ver como os outros fazem, porque subimos juntos a régua", afirma.
O início não foi fácil. O sócio da empresa recorda que era difícil explicar o que era uma incorporadora colaborativa: havia ceticismo do mercado. A primeira tentativa de tentar explicar na internet fracassou. Foi quando surgiu a ideia de testar o modelo de cocriação para desenvolver o empreendimento que seria erguido no terreno em que estava situado o Cine Teatro Presidente, na avenida Benjamin Constant, em Porto Alegre. A Wikihaus fez dois workshops, compostos por pessoas com perfil parecido com o do público-alvo dos apartamentos compactos, pensados como primeira moradia: a chamada geração Y, jovens de 20 a 35 anos. "Os conceitos começaram a aparecer, até o nome, Coliving. O projeto saiu 100% dali. A modelagem foi entregue para o arquiteto, que 30 dias depois entregou o projeto", lembra Eduardo Pricladnitzki.
Um vídeo sobre os workshops acabou viralizando na internet, proporcionando uma divulgação orgânica do empreendimento que foi pensado coletivamente com áreas de convívio, espaços de uso comum, sistema de bicicletas compartilhada e até mesmo ferramentas para serem usadas por todos os moradores. Cerca de 70% dos 58 apartamentos já foram vendidos. Mais do que o sucesso comercial - e a possibilidade de atuar como consultor em outros mercados -, a empresa comemora a afirmação da marca com um propósito diferenciado. "Estamos vendendo o bem mais importante da vida das pessoas e não estamos parando para escutá-las", pondera.
Eduardo Pricladnitzki entende que marcas como a Wikihaus oferecem um produto que entra em sintonia com uma mentalidade contemporânea. A incorporação colaborativa e outros negócios são uma resposta à necessidade de resgatar a possibilidade de convivência. "A gente está em um momento em que as pessoas estão cada vez mais conectadas virtualmente, mas sentindo falta de se reconectar fisicamente, de se encontrar, conversar, trocar", afirma. O potencial de crescimento para negócios semelhantes é expressivo. A consultoria PwC projeta que a economia compartilhada movimentará mundialmente U$ 335 bilhões em 2025.
A expansão desta cultura entre negócios e marcas, muitas vezes, conta com o respaldo metodológico de empresas de consultoria especializadas em cocriação. Foi o caso da Reali Hub of Innovation, que atuou durante a modelagem do primeiro empreendimento compartilhado da Wikihaus. Conforme a consultora Thaís Reali, há um desejo de compartilhar e colaborar, perceptível entre os jovens, mas não restritos a eles. "O jovem está muito a fim de colaborar, quando gosta do tema e da causa. Não só entre eles, mas as pessoas que estão querendo buscar algo novo, um espírito jovem", explica. Recentemente, Thaís e equipe fizeram um trabalho de colaboração com um festival de música eletrônica no Recife (PE), o King Festival, no qual o alto grau de engajamento do público deu lastro a um projeto de cocriação de ações para serem implementadas antes, durante e depois do evento.
Conforme a consultora, a tecnologia acelera a conexão. Como as barreiras culturais estão sendo diminuídas, de alguma forma, pela proximidade digital, cria-se um ambiente favorável à diversidade, no qual a colaboração tem potencial para se desenvolver exponencialmente. Este sentimento foi captado pelas gigantes da internet, como o Facebook. "Estas companhias entenderam que existia uma necessidade. Fizeram a leitura do comportamento que a internet e a quebra de barreiras estavam produzindo", afirma. Eduardo Pricladnitzki também entende que grandes marcas digitais são fundamentais para consolidar a mudança de comportamento. "Ninguém se inspira no Uber para montar o seu negócio, porque o Uber é muito grande. Mas esses aplicativos ajudam a mudar o comportamento, fazendo com que as pessoas despertem. Essa geração do celular tem mais necessidade de se reconectar fisicamente do que a minha geração", admite.
A onda avança para situações corriqueiras, como a proporcionada pelo Tem Açúcar?, plataforma de colaboração que nasceu como facilitador de empréstimo entre vizinhos e hoje se move no mercado como uma rede social da vizinhança. Criadora do empreendimento, Camila Carvalho revela que o projeto tem como objetivo aumentar a sensação de proximidade e de gentileza, mas também de servir como resposta para reduzir o impacto socioambiental da economia. Atualmente, 160 mil usuários, em 4 mil cidades, em 12 mil vizinhanças, usam o aplicativo. O Tem Açúcar? já permitiu uma economia de R$ 7,8 milhões em empréstimos e entrou em uma nova fase, com funcionalidades adicionais, seja para compartilhar comida ou carona, ou para descobrir uma companhia para exercícios físicos ou disposta a molhar as plantas quando o vizinho viaja, por exemplo. "A ideia é fazer as comunidades estarem mais unidas, as pessoas conhecerem os seus vizinhos e resgatarem a proximidade", esclarece.
Estudiosa da economia colaborativa, Camila reconhece que Uber e Airbnb realmente irrigam uma nova cultura, porque são iniciativas que fazem pensar sobre a questão da posse, reavaliar espaços e recursos ociosos. Mas ela lembra que, apesar da motivação de gentileza, não se pode esquecer que mesmo as iniciativas de compartilhamento, nativas de ambientes digitais, geram subprodutos algumas vezes negativos, como a repercussão trabalhista provocada pela relação do Uber com os seus motoristas e o processo de gentrificação estimulado pelo Airbnb. A hora é de compartilhar, mas isso não quer dizer que seja a melhor resposta para todas as situações da economia.

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