"Na Espanha, Porto Alegre é referência em participação popular", conta o diretor de Participações Cidadãs da Cidade de Madri, Miguel Arana, em passagem pela capital gaúcha no final do mês de outubro.
Um dos responsáveis pelo desenvolvimento da plataforma Decide Madri, que reúne ferramentas para que a população opine quanto à realização de obras ou o destino de recursos públicos da capital da Espanha, Arana veio ao Brasil para conhecer o modelo presencial de organização do Orçamento Participativo (OP), que é adotado na capital gaúcha há 27 anos.
Em troca, a prefeitura de Madri oferece à prefeitura de Porto Alegre treinamento para o uso da plataforma, que pode ser adaptada à realidade local e utilizada como um novo espaço de participação dentro do OP.
"Nossa intenção é implementar, dependendo, para isso, da aprovação da sociedade", explica o secretário adjunto de Relações Institucionais da prefeitura de Porto Alegre, Carlos Siegle (PTB). Ou seja, a decisão de aderir ou não à ferramenta passará pelo próprio OP.
A possibilidade foi apresentada em uma reunião dos Fóruns Regionais e Temáticos - que, neste ano, substituem as assembleias deliberativas - e em reunião do Conselho do Orçamento Participativo (COP), em que Arana explicou sobre a criação e uso da Decide Madri. Desenvolvida como software livre, a plataforma pode ser usada e adaptada por qualquer cidade interessada no sistema. A condição, informa Arana, é que as melhorias aplicadas ao seu uso sejam compartilhadas com os demais integrantes da rede que se forma.
Atualmente, segundo Arana, mais de 60 cidades ao redor do mundo usam a plataforma - na Espanha, é adotada, além da capital, em cidades como Barcelona e A Corunha; e também em Buenos Aires, na Argentina, e Paris, na França. Para formalizar a parceria, Siegle irá a Madri, no próximo dia 17, onde participará do evento Cidades Democráticas, com a presença de outras prefeituras que usam a plataforma.
De volta a Porto Alegre, o trâmite passará pelo COP, que debaterá a possibilidade de utilizar o sistema dentro do modelo já adotado pelo Orçamento Participativo. Siegle explica que a discussão será realizada entre dezembro e fevereiro, quando então se abre o período de alteração do regimento interno do OP.
Caso aprovada sua implantação, a adaptação da ferramenta seria feita pelos técnicos da Companhia de processamento de Dados de Porto Alegre (Procempa), e a manutenção estaria vinculada ao Observatório da Cidade de Porto Alegre (ObservaPoa), que é o escritório do Observatório Internacional da Democracia Participativa na América Latina e formado inteiramente por servidores de carreira do município, fato que, para Siegle, garantiria a permanência da plataforma vinculada ao OP como uma política de Estado.
O vice-prefeito da Capital, Gustavo Paim (PP), que acumula a função com a titularidade da pasta de Relações Institucionais, à qual responde pelo OP, diz que aumentar a participação por meios digitais já estava no horizonte da atual gestão. "Compreendemos que a realidade de Porto Alegre demanda a parte presencial, mas podemos ter como algo complementar, e não excludente, uma plataforma virtual", projeta Paim.
Adoção da participação popular na tomada de decisões é novidade na capital espanhola
Na capital da Espanha, a adoção de um modelo semelhante ao Orçamento Participativo praticado em Porto Alegre é recente - foi implantada há dois anos - e já nasceu digital. O grupo que está à frente da atual administração municipal de Madri se formou a partir do movimento Indignados, que em 2011 ocupou a praça Porta do Sol, no Centro da cidade, em protesto contra o sistema político, questionando sua legitimidade e pedindo mais espaço para debate e representação.
"Quando ganhamos as eleições, surge a necessidade de fazer isso se tornar real, que a maioria da população tome as decisões do que está ocorrendo aqui dentro (da prefeitura)", conta Miguel Arana, diretor de Participações Cidadãs da Cidade de Madri. Com mais de 3 milhões de habitantes, o desafio seria fazer com que todos - ou ao menos grande parte - estivessem envolvidos no dia a dia da política.
A proposta foi então desenvolver uma plataforma digital. Arana, que é um dos integrantes do movimento que ocupou as ruas na Espanha há seis anos, agora é um dos responsáveis pelo desenvolvimento da plataforma digital Decide Madri (decide.madrid.es). O nome é esse, explica, "para que fique claro que é para as pessoas decidirem".
Nos dois anos em que está funcionando, são 350 mil usuários registrados. Na cidade europeia, os debates não se limitam à decisão sobre o destino do orçamento público, mas também opinam sobre questões como a revitalização de praças - escolhendo quais passariam por obras e qual projeto adotar - e o estreitamento de ruas, para aumentar o espaço de circulação de pedestres.
Já o Orçamento Participativo de Madri é uma adaptação da versão porto-alegrense. Dividido em quatro etapas, se inicia com a apresentação de propostas, seguido pela primeira etapa de votação popular nas sugestões apresentadas - Arana explica que cada pessoa vota individualmente, mas os fóruns locais, formados por representantes das 21 regiões em que a cidade está dividida, podem indicar projetos de interesse coletivo.
Na terceira fase, o governo recebe as propostas, comprova quais podem ser feitas por questões legais e o custo de cada uma. Como não pode validar todas, indica as mais votadas na segunda etapa para seguirem à próxima fase - a de votação das demandas que receberão recursos do orçamento público no ano seguinte.
Cada pessoa pode votar em quantas propostas quiser, até o limite da destinação de recursos para o OP, que em 2017 foi de ¤ 100 mil, o que corresponde a cerca de 3% do orçamento de Madri, contemplando 311 propostas populares. Os temas mais votados neste ano foram meio ambiente e habitação.
Miguel Arana explica que a decisão popular é vinculante, ou seja, o que a população decidir será realizado. O modelo espanhol se distingue do praticado em Porto Alegre justamente porque a verificação da viabilidade de realização da obra ou serviço é anterior à votação. Na capital gaúcha, o acúmulo de demandas não atendidas resultou na suspensão de novas votações para destinação de recursos nesse ano, e a prefeitura busca com a população definir como atenderá ao passivo dos anos anteriores.