É dito que as portas de entrada e saída da economia de uma nação são seus portos. No caso do Rio Grande do Sul, esse caminho está concentrado em Rio Grande. Apesar de uma disposição natural privilegiada, com acesso hidroviário e a possibilidade de aproveitar os recursos da Lagoa dos Patos, o complexo rio-grandino sofre hoje com a falta de dragagem. Entidades como Fiergs, Federasul e Câmara de Comércio da Cidade do Rio Grande defendem que as obras para desassorear o canal são fundamentais e precisam começar o quanto antes.
Atualmente, o porto gaúcho está operando com um calado operacional de 12,8 metros (42 pés). Com a dragagem, passaria, de forma geral, para 14 metros (46 pés). Cada pé de calado acrescentado permite incrementar em 2,5 mil a 3 mil toneladas a carga transportada pelos navios. O contrato de dragagem para readequação da geometria do canal de acesso ao porto do Rio Grande foi assinado em julho de 2015. O consórcio vencedor, que deveria realizar o trabalho, é formado pelas empresas Jan de Nul do Brasil e Dragabrás, e aceitou fazer a obra por R$ 368,6 milhões (recursos que seriam provenientes do governo federal). Deveriam ser removidos aproximadamente 18 milhões de metros cúbicos de sedimentos, mantendo a profundidade do canal interno em 16 metros e do canal externo em 18 metros.
De acordo com o Ministério dos Transportes, a dragagem de manutenção ainda não começou porque depende do licenciamento ambiental. A assessoria de imprensa da pasta informa que um parecer técnico do Ibama requereu da autoridade portuária (Superintendência do Porto do Rio Grande) estudos e atendimentos ambientais ainda não concluídos. O Ministério dos Transportes está discutindo com o do Planejamento a viabilização dos recursos da dragagem, que levaria em torno de 10 meses para ser executada, para o orçamento de 2018.
O Ibama diz que o plano de dragagem do porto do Rio Grande apontou pendências e aguarda o encaminhamento de uma proposta atualizada, visto que a anterior (apresentada em 2015) continha problemas. Dentre as pendências, o órgão ambiental cita a necessidade de mostrar alternativas de locais para a área de descarte dos sedimentos que serão retirados do fundo do mar e da Lagoa dos Patos devido à dragagem. Isso foi motivado, conforme o Ibama, por surgimento de lama na praia e de um pedido feito pela Câmara de Vereadores de Rio Grande. O local previsto pelo projeto original para descartar os resíduos é uma área retangular para fora dos molhes (corredores de pedra que protegem o acesso ao porto de ondas e correntezas), no oceano, a 18 metros de profundidade.
O presidente em exercício da Fiergs, Gilberto Ribeiro, confirma que a maior dificuldade hoje para seguir adiante com a dragagem consiste na liberação do Ibama. "A burocracia está emperrando o País, é um absurdo uma coisa dessas", reclama. O dirigente frisa que a situação está atrapalhando o fluxo de mercadorias e atrasando importações e exportações, já que os navios não podem aproveitar a capacidade total de cargas ou, até mesmo, operar no porto gaúcho. O representante da Fiergs defende que essa questão precisa ser resolvida rapidamente, e a preocupação maior é que o problema está se prolongando demais. Ribeiro comenta que, se a dragagem não for concretizada logo, o calado do complexo rio-grandino poderá ser rebaixado para 11 pés, o que fará com que o porto fique limitado a navios de portes menores dos que atuam hoje ou a embarcações não plenamente carregadas. "Assim, vai nos inviabilizar comercialmente pela falta de logística", teme Ribeiro.
O dirigente cita como exemplo de segmentos que são afetados pelas limitações portuárias o polo petroquímico de Triunfo, os produtores de soja, a indústria automotiva, entre outros. O presidente em exercício da Fiergs alerta ainda que o porto gaúcho poderá ser trocado pelos terminais catarinenses por muitas companhias importadoras e exportadoras. Ribeiro adianta que será feita uma mobilização política com os deputados gaúchos para tentar resolver o assunto.
Câmara de Comércio não crê em solução rápida
O fato de o projeto de dragagem para o porto do Rio Grande não ter recebido, até o momento, a aprovação do Ibama indica que uma nova proposta terá que ser encaminhada para o órgão ambiental. Dentro dessa perspectiva, o presidente da Câmara de Comércio da Cidade de Rio Grande, Antônio Carlos Bacchieri Duarte, manifesta pessimismo quanto a uma saída em curto prazo. "Não deveremos ter dragagem nos próximos meses, muito difícil, a não ser que o Ibama libere uma dragagem emergencial, somente para limpeza", prevê.
O ritual consiste em o Ministério dos Transportes enviar o projeto para a Superintendência do Porto do Rio Grande, que elaborará um novo plano de dragagem, que então será encaminhado para o Ibama. Mas essa ação não tem uma previsão para ocorrer. Duarte argumenta que, se tivesse sido feita anteriormente e de maneira mais detalhada a discussão com o Ibama, talvez não houvesse a perda de tempo de montar um novo projeto de dragagem. O dirigente adianta que o debate sobre o prazo em que deverá ocorrer a dragagem será intensificado a partir de agora entre entidades empresariais, Ibama, Ministério dos Transportes e dirigentes do porto.
Navios ficam sujeitos à maré para iniciar o transporte
Nunes destaca que duplicação da BR-116, entre Guaíba e Pelotas, é principal obra do Estado
MARCELO G. RIBEIRO/JC
A falta de dragagem do porto do Rio Grande implica uma série de prejuízos econômicos, enfatiza o coordenador do conselho de Infraestrutura da Fiergs, Ricardo Portella. Entre eles, o fato de que muitos navios só estão conseguindo sair plenamente carregados quando a maré está acima de seu nível normal. Essa incapacidade de transportar um volume maior de cargas acaba fazendo com que os fretes fiquem mais onerosos. Além disso, o custo da praticagem (manobra dos navios dentro do porto) fica mais elevado, pois o processo torna-se mais arriscado.
Portella acrescenta que o Rio Grande do Sul é um estado intimamente ligado ao segmento de agronegócios, importando insumos agrícolas e exportando grãos. Esse setor, reforça o dirigente, tem seus preços para o consumidor final fortemente influenciados por sua logística. O coordenador do conselho de Infraestrutura da Fiergs antecipa que, se não houver uma dragagem, o escoamento da próxima safra gaúcha pode ser comprometido. O empresário adverte também que, se houver muitos empecilhos, não se pode desconsiderar a hipótese de que o Estado perca as verbas destinadas à dragagem.
O diretor-presidente da Associação Brasileira dos Terminais Portuários (ABTP), Wilen Manteli, confirma que há casos de navios que não conseguem ingressar ou sair do porto, porque, no dia, o calado está baixo demais. "Voltamos à época das caravelas, quando o comandante do navio tinha que olhar para a lua, ver se a maré está alta ou não, é lastimável", aponta Manteli. O dirigente reitera que esse cenário pode inibir o aumento da produção da economia gaúcha
Segundo o diretor-presidente da ABTP, o calado limitado está encarecendo os fretes ou fazendo com que algumas embarcações optem por outros portos. Manteli acredita que Rio Grande tem potencial de ser o porto concentrador de cargas do Mercosul. "Mas falta ousadia", frisa. O integrante da ABTP sustenta que é preciso ter uma gestão portuária mais eficiente, superando questões políticas muitas vezes envolvidas quando o assunto é a área portuária.
A Tanac, produtora de extratos vegetais e de cavacos de acácia negra, é uma das empresas que sofrem com os reflexos da demora na dragagem. O diretor-superintendente da Tanac, Otávio Guimarães Decusati, informa que um dos impactos é na imagem da companhia no exterior quando uma encomenda atrasa por causa de problemas logísticos. "Se faz todo um trabalho para conquistar um cliente, se vende todo um serviço; mas, chega na hora de o navio entrar ou sair do porto, a embarcação enfrenta dificuldades com a dragagem", critica o executivo.
Decusati lembra ainda os custos da demurrage (sobre-estadia), indenização que o afretador paga por atrasos nas operações de carga e descarga de um navio. A Tanac movimenta entre 700 mil e 750 mil toneladas de cavacos de madeira anualmente pelo porto do Rio Grande e, recentemente, iniciou a movimentação de pellets de madeira (espécie de cápsulas que são queimadas para a geração de energia elétrica), cuja previsão é chegar ao ano a 350 mil toneladas. Com sede em Montenegro, o grupo recolhe matéria-prima em aproximadamente 200 município gaúchos. Os pellets têm como destino a Inglaterra, e os cavacos de madeira, utilizados na produção de celulose, seguem para China e Japão.
A empresa atua ainda com taninos, um extrato vegetal oriundo da casca de acácia negra que se aplica em produtos para curtimento de couro, adesivos, entre outras utilidades. Cerca de 30% do volume desse material movimentado por porto foi redirecionado para Imbituba, em Santa Catarina. Decusati revela que essa foi uma decisão tomada por armadores (proprietário dos navios), que não fazem mais escalas no porto do Rio Grande, e o dirigente acredita que isso se deva à dificuldade com o calado. O restante da produção de tanino continua sendo encaminhado pelo Terminal de Contêineres (Tecon) Rio Grande. A movimentação total de tanino por parte do grupo é de cerca de 14 mil toneladas anualmente.
Governo gaúcho pensa em saída emergencial com recursos próprios
Governo gaúcho avalia tirar do próprio bolso dinheiro para fazer uma dragagem emergencial
CLAUDIO FACHEL/PALÁCIO PIRATINI/JC
Apesar da notória falta de recursos dos cofres do Estado, sabendo da relevância de um porto operando em plenas condições, o governo gaúcho avalia tirar do próprio bolso o dinheiro para fazer uma dragagem emergencial em Rio Grande.
O diretor técnico da Superintendência do Porto do Rio Grande, Darci Tartari, antecipa que não seriam retirados os cerca de 18 milhões de metros cúbicos de sedimentos previstos no contrato em que a União seria a repassadora dos recursos, mas um volume suficiente para, pelo menos, a manutenção do calado atual. A superintendência irá contratar um estudo de batimetria (medição) para verificar o volume que teria que ser dragado.
Mesmo não sendo uma obra do vulto da prevista pelo governo federal, uma iniciativa como essa, calcula Tartari, absorveria de R$ 100 milhões a R$ 120 milhões. O dirigente recorda que a última dragagem feita no porto ocorreu entre 2013 e 2014, e também foi emergencial, com recursos do governo estadual, semelhante à que se pensa em fazer agora. Tartari admite que o calado do porto pode ser reduzido para cerca de 11 metros se não for feita a dragagem.
O diretor explica que o projeto de dragagem do governo federal, não aceito pelo Ibama, previa algumas adequações no canal do porto, como o recorte de uma curva e a melhoria em uma bacia utilizada nas manobras dos navios. Como o projeto prevê essas medidas, o Ibama entendeu que não seria uma dragagem de manutenção, e sim de aprofundamento. O próprio governador José Ivo Sartori e integrantes da Superintendência do Porto do Rio Grande já estiveram em Brasília, recentemente, para discutir o tema com o órgão ambiental.
Para Tartari, está bem claro que o Ibama não autorizará a dragagem enquanto no projeto estiverem essas adequações. A Superintendência do Porto do Rio Grande pediu à Secretaria Nacional de Portos (pasta ligada ao Ministério dos Transportes) que fosse modificado o projeto original da dragagem e retiradas as adequações para facilitar a aprovação do Ibama.
"Só que, para a nossa surpresa, no dia 22 de setembro, tomamos conhecimento do Parecer nº 50 do Ibama, colocando outra série de exigências estranhas ao processo até então", revela. Como exemplo, Tartari cita a necessidade de redefinir uma área para o descarte do material que será dragado. O diretor reforça que o local atual sempre foi usado para o depósito dos sedimentos retirados.