O programa Mais Médicos completou, no dia 8 de julho, quatro anos de existência. Criadora do projeto que ajudou a amenizar a falta dos profissionais em postos de saúde de lugares menos acessíveis, a ex-presidente Dilma Rousseff participou ontem de audiência pública na Assembleia Legislativa sobre a situação atual do programa, na Comissão de Saúde e Meio Ambiente.
"Me preocupo muito com o Mais Médicos. Ainda não foi interrompido devido à grande crise política a qual seria construída com os prefeitos", destaca. Dilma alerta para o risco do fim do programa, a partir da criação, por parte do governo, de uma "instabilidade jurídica e legal".
A instabilidade, segundo a ex-presidente, pode se dar através do desrespeito a acordos com o governo de Cuba, de onde veio a maior parte dos profissionais do Mais Médicos, e com a Organização Pan-Americana de Saúde (Opas), intermediadora do intercâmbio. "Quando Cuba pede os médicos de volta, é preciso liberá-los e substituí-los, não tem discussão. Se esse processo é rompido, a estabilidade é rompida e o programa fica sem cobertura legal e jurídica. É uma forma sorrateira de acabar com o programa", observa. Segundo Dilma, prefeitos têm relatado a ela receio quanto à descontinuidade do Mais Médicos, e sustentado haver um "acordo tripartite encaminhado nesse sentido".
Em abril, uma reunião entre Ministério da Saúde, Opas e governo cubano analisou o aumento de ações judiciais impetradas por médicos cubanos vinculados ao programa através de liminares, medidas em não conformidade com o acordo firmado. Por esse motivo, a ilha suspendeu o encaminhamento de 710 profissionais para o Brasil, abrindo caminho para a União substituir estrangeiros por brasileiros.
Para a ex-presidente, em um programa como esse, a necessidade de atender a população deve se sobrepor ao custo. "A saúde precisa desse nível de gasto. Com o Mais Médicos, reduzimos o tempo de espera de dias e até meses para o máximo de 24 horas, sem fila", cita.
Iniciativa surgiu para fortalecer a atenção básica
Criado em 2013 para reforçar o Sistema Único de Saúde, o Mais Médicos é dividido em três pilares - atenção básica, média complexidade e alta complexidade. Com o fim da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), em 2007, o governo federal parou de investir R$ 40 bilhões em saúde. "A atenção básica, especialmente, ficou fragilizada, e cerca de 80% dos casos de problemas de saúde são resolvidos ali", aponta Dilma.
A falta de médicos na atenção básica era sentida especialmente na periferia das grandes capitais, como Porto Alegre, São Paulo, Rio de Janeiro, Curitiba e Belo Horizonte, nas regiões Norte e Nordeste, nos municípios de interior com grande concentração de população de baixa renda, no atendimento a quilombolas, assentados da reforma agrária e no Departamento de Saúde Indígena.
As áreas mais empobrecidas, de acordo com a ex-presidente, eram exatamente as com maior déficit de médicos. "Ou não tinha médico, ou o profissional ia apenas dois dias por semana, ou o prefeito pobre do interior pagava um salário de R$ 40 mil e, mesmo assim, o atendimento não ocorria oito horas por dia", recorda.
Antes do Mais Médicos, em 2012, o Brasil possuía 1,8 médico para cada mil habitantes, segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), enquanto, na Argentina, a média era de 3,2 para cada mil e, no Uruguai, 3,7 para cada mil. Havia 700 municípios brasileiros sem nenhum profissional. O pior déficit era no Amapá, com 0,76 médico para cada mil habitantes, e a maior quantidade, proporcionalmente, era no Rio de Janeiro, com 3,44 para cada mil habitantes. No Rio Grande do Sul, a média era de 2,23 médicos.
Número de formados no Brasil era insuficiente
De 2003 a 2012, o mercado de trabalho abriu 143 mil novas vagas de emprego médico formal, mas as escolas formaram apenas 93 mil profissionais no mesmo período, representando um déficit acumulado de 50 mil médicos. "Não eram números suficientes. Então procuramos médicos brasileiros formados no exterior, com diplomas já reconhecidos, e a quantidade também não era suficiente. Aí, fomos atrás de profissionais com formação no exterior", conta a ex-presidente. Cuba disponibilizou, de imediato, 11 mil médicos.
Conforme dados da OMS, países desenvolvidos têm mais médicos graduados no exterior em atuação. É o caso, por exemplo, da Inglaterra, onde 37% dos profissionais se formaram em outro país. Em 2015, com dois anos de existência, o programa chegou a ter 18.240 médicos nas unidades básicas. Com uma estimativa de 3,5 mil consultas por mês, o governo federal calcula o número de pessoas atendidas em 63 milhões naquele ano.