Luiz Coronel, diretor da Agência Matriz
A comunicação nas cavernas
I - O que queria, buscava o caçador rupestre ao gravar seus desenhos com sangue e fogo nas paredes das cavernas? Ali, começa a ser definido o verdadeiro papel da arte em seu sentido mais profundo. Ali, há milênios, o homem queria dizer, ao desenhar búfalos e bisões: "Esta é a minha luta, o testemunho de minha experiência humana. Minha forma de ultrapassar meus limites no tempo, minha maneira de conferir encantamento ao meu espaço". Ou seja, a arte como um grito rasgando a eternidade. A indústria cultural batiza e promove um produto artístico descartável, imediato, que pode ter muito de produção industrial, mas que tem muito pouco a ver com a arte em seu sentido essencial. O homem comum envolve-se nesses produtos efêmeros, mas sua alma não se reconhece. Ele não sente dilatar sua sensibilidade, sua compreensão da vida, em nada se sente acrescido.
A mímica
II - Tenhamos como nossa primeira expressão em busca da comunicabilidade humana a mímica. Acredito que, mesmo neste universo ancestral, alguns mímicos tenham conquistado, de maneira alegórica, contida, espalhafatosa, algum destaque. É quando surge a questão do estilo. Se o galo não tivesse estilo, a galinha iria corrê-lo do galinheiro. Lembro, ao escrever para a inauguração do Teatro Bradesco, de São Paulo, o livro Palmas para o teatro, quão significativas foram as surpresas que os mímicos, escondidos sob as colunas do tempo, me proporcionaram. Com suas máscaras no teatro grego, ou em Roma, onde, encenando suas pantomimas, eles divertiram e criticaram, fazendo de suas expressões gestuais um dialeto cativante. Por sua irreverência, a Igreja Católica proíbe seus espetáculos na Idade Média. A mímica volta a florescer com a majestosa explosão cultural do Renascimento. E os mímicos chegam ao nosso tempo, trazendo um legado fantástico. Lembremo-nos do comovente mímico francês Marcel Marceau ou da arte surpreendente de nossa brasileira Denise Stoklos. A expressão mímica tem no cinema de Charlie Chaplin, Buster Keaton e Jacques Tati verdadeiros momentos de grande arte.
Da dinâmica da comunicação por meio da arte
III - Podemos dizer que a paisagem tem um ritmo. O vento percorrendo as ruas e os becos de Buenos Aires dança um tango. A mocinha morena que sobe os degraus que a levam ao morro tem um gingado de samba, um andamento de tamborins. O homem do pampa, mateando solidão nas lonjuras, há de cantar milongas. Percorrendo os grandes museus em convívio com Miguel Ângelo, Sandro Botticelli, Velázquez ou ouvindo os grandes clássicos, Mozart, Beethoven, Chopin, nos perguntamos: a arte, como expressão e depoimento humano, entrou em decadência? É bom acreditar que não! A arte dos tempos da eletricidade, das forjas, da velocidade e da informática não haveria de ser a arte do tempo dos mecenas, das catedrais, dos nobres palacianos. Se o chorinho nos dizia nos graciosos anos iniciais do século XX não será a nossa música popular de nossos conturbados dias. A arte é fruto de seu tempo, expressa pelos artistas, antenas humanas a captar a dinâmica da vida. Que o digam e comprovem Michael Jackson, Salvador Dalí, Fellini, Spielberg.
Sensibilidade e criatividade
IV - Como poderíamos definir a sensibilidade? Entenda-se como essa capacidade de sentir a vida em sua pulsação de sonhos e pesadelos? Os grandes artistas, notáveis criadores, são marcados por uma dilacerante sensibilidade. E nem sempre são homens felizes. Que o comprove Van Gogh, extrapolando as formas na exuberância de cores, anunciando uma nova forma de ver e sentir o mundo. Os gregos, com sua sabedoria, sentenciavam: "Zeus maltrata a quem ama". O que podemos afirmar é que todo ser humano é assinalado por sua sensibilidade, ora direcionada à criação ou endereçada à contemplação da arte. Por isso, assobiamos pelas ruas de madrugada, ouvimos rádio, assistimos às inconsistentes novelas. Criatividade, é esse o destino humano, alma insaciável movida pelo inquieto impulso de criar outro mundo além da realidade que nos abrange. É a criatividade que nos faz tecer véus de bronze, sair à cata de imagens e metáforas como banhistas correndo atrás do guarda-sol, nas ventanias do verão. É a criatividade que move os bailarinos, conferindo ao corpo a leveza do vento; ou aos pintores, lavando no chafariz o rosto da aurora.
Da experiência pessoal
V - Neste meu já longo andar herdo a leve sensação de poder dizer que não preciso provar mais nada. Para o aplauso ou descaso, os feitos estão aí. Assim, permitam-me que diga: profissionalmente, sou um ser com duas cabeças: publicitário e escritor (hoje, mais isso do que aquilo). "O tempo nos faz modestos ou ridículos", disse Ulysses Guimarães. Peço licença para afirmar, sem grandes alardes, que em nenhuma dessas experiências profissionais fiquei de mãos vazias. O escritor de dezenas de milhares de exemplares da Coleção Dicionários e livros infantis sente-se confortável ao elaborar seu depoimento, pois tem queijo no balaio. Igualmente, o publicitário, por ter criado a campanha pela democratização do País e, por décadas sucessivas, definido a identidade publicitária do Grupo Zaffari (hoje, competentemente conduzida por Beto Philomena), acredita na procedência e no fôlego de suas afirmações. Quando dizem que a propaganda brasileira "zaffarizou", sentimo-nos agraciados. Tenho-me por um homem de criação. Como o Marquês de Sade, "se me tirarem a pluma e a tinta das mãos, escreverei com sangue nas paredes". As deferências que recebi recentemente em Madri e em Salamanca me fizeram sentir que valeram a pena minhas opções profissionais. Em nenhum ofício, pode-se entrar com água pelas canelas. Sem ansiedade de eco, sendo constante em nossa busca, la nave va.
Da criatividade na publicidade
VI - Quando penso que a publicidade administra um volume de recursos próximo aos investimentos destinados à educação em escolas públicas pelo mundo afora. Quando percebo que ela sustenta, em grande parte, os veículos de comunicação do planeta, sinto quão imensas são as possibilidades e as responsabilidades que ela tem. E me pergunto: de que forma ela influencia ou deixa de influenciar as pessoas? Será ela a glorificação do supérfluo? Será um dos combustíveis do desenvolvimento econômico e social? Fator e conscientização ou alienação humana? Ela é tudo isso e mais um pouco. Como ponto de partida, é um casamento entre arte e comércio. Como todo casamento, sujeito a desencontros. A arte atende à necessidade humana de sonho, fantasia, encantamento. O comércio vem ao encontro de necessidades concretas, disponibilizando produtos e serviços. A sedução que a propaganda traz em si confere maior amizade do homem aos bens materiais. E é interessante notar que ela apropria-se de todas as manifestações artísticas de uma forma sintética, imediata. A propaganda é a glorificação da síntese. Em uma boa campanha, a fotografia, a música, o teatro e a literatura fornecem ingredientes valiosos. Por isso e assim, um criativo terá de ser uma pessoa sensível, informada. Um publicitário inculto é sempre um fabricante de "abobrinhas". As agências que produzem campanhas que molestam e não contemplam as pessoas deveriam levar palmatória nas mãos e ajoelhar-se sobre grãos de milho. Em foro pessoal, cobro da publicidade uma integração mais radical com a vida, com a dramaturgia das ruas. Não me parece concernente ficar brincando de Doris Day, cantando "Ai, ai, como sou feliz" enquanto o País se contorce em desassossego. Cobro da publicidade que ela tenha a mão calejada dos escultores, a delicadeza dos músicos, a graça dos bailarinos, a contundência do teatro. Que seja, enquanto arte, um reflexo da vida; enquanto comércio, uma aposta no desenvolvimento e na modernização da sociedade. Será pedir muito?