Lidiane Amorim, assessora de Comunicação e Marketing na PUCRS
Em um cenário de tantas incertezas, uma certeza parece imperar: precisamos compreender, envolver, gerar conexões com nossos públicos prioritários, stakeholders, consumidores, clientes. Empatia, colaboração, cocriação, experiência, tendências que anunciam a (re)descoberta da importância do outro, o trunfo do antigo "receptor", uma aparente novidade que já era verdade em teorias e correntes acadêmicas de comunicação, lá na década de 1980.
Um pouco mais recente, há uns 10 anos, Dominique Wolton, sociólogo francês, parecia "antever" esse futuro, desde sempre presente: a revolução da comunicação não está no reino da informação, tão abundante e acessível, mas na intercompreensão, na relação, no desafio de levar em conta o sujeito, a pessoa, esse outro que, para Wolton, é a caixa-preta da comunicação. Comunicar, não é de hoje, é, fundamentalmente, aceitar a experiência da alteridade e produzir sentidos. Parafraseando o sociólogo, trata-se, em última instância, de reconhecer a importância do outro, ir ao encontro dele, admitir nossa dependência em relação a ele e a incerteza de ser compreendido.
Com frequência, escutamos que uma das principais dificuldades da comunicação e do marketing contemporâneos é comunicarmos para públicos tão diferentes entre si, de maneira personalizada, direcionada, segmentada. Entretanto, nunca antes tivemos tantas possibilidades de soluções, estratégias, plataformas para comunicar. Mas, então, onde está o real desafio? Como conseguir visibilidade? Como influenciar comportamentos? Como ser assertivo?
Talvez não se trate de saber como comunicar, mas como compreendemos efetivamente a comunicação, o marketing e, sobretudo, esses outros, nossos públicos. Não poucas vezes, percebo as discussões centradas demasiadamente (apenas) nas técnicas, nas estratégias, nos meios, nos canais, no budget, mas, no que você, profissional da área ou líder da organização, realmente acredita? O que conduz suas decisões e suas estratégias? O que te resgata da incerteza?
Entre tantas possibilidades, proponho compreender a comunicação a partir de duas dimensões complementares: por um lado, a dimensão profissionalizada, empírica, das práticas e dos processos que medeiam o relacionamento com os públicos de interesse e, por outro, uma dimensão orgânica, que embasa a primeira, que é intrínseca a qualquer organização, da natureza de qualquer corpo social, que atua como uma trama (in)visível de sentidos.
Parte dessa concepção está ancorada no pensamento de Eduardo Vizer, sociólogo argentino, que acredita que a comunicação não implica somente o processo de recriação dos vínculos e do laço social, mas, enquanto prática, é fundamentalmente o lugar do sentido. É a busca de sentido que pode nos salvar do vazio, de estratégias e altos investimentos que acabam gerando pouco retorno e impacto, e não contribuindo aos objetivos que movem as organizações.
Na horizontalidade desse mundo de fronteiras diluídas e, ao mesmo tempo, hiperconectadas, hipermidiatizadas, as organizações despreparadas para repensar a comunicação e a gestão, olhar para si mesmas com humildade, rever processos, encarar mudanças, compreender cenários e pessoas, sem, contudo, esquecer sua identidade, correm o risco de não sobreviver.
Acostumadas a emitir, a informar, a transmitir, a tomar todas as decisões com base unicamente em seu ponto de vista, as organizações enfrentam o imperativo da escuta e do diálogo, e esbarram, muitas vezes, na incapacidade de olhar o outro com cuidado, sensibilidade e a devida importância. Conhecer e compreender esse outro requer mais do que pesquisar, mapear comportamentos, rastrear cliques, se valer de influenciadores, investir em big data. Exige aprender a escutar, ouvir, dialogar, (re)pensar e aceitar a perda do controle, do domínio da certeza e do poder exclusivo de fala.
E esses outros, cada vez mais exigentes, seletivos, enigmáticos, empoderados, já não aceitam meias verdades, incoerências, descaso, prepotência. [Entre esses outros, incluímos não apenas os que estão extramuros, mas também os públicos internos, que ainda, em alguns cenários, sequer figuram entre os públicos prioritários.]
Sinto que, por vezes, somos ansiosos por soluções, mas nem sempre pacientes para retomar e aprofundar a raiz das questões: de que comunicação/organização/públicos estamos falando? De nada nos servirá um arsenal de possibilidades técnicas para comunicar, se nosso jeito de compreender a comunicação, os públicos e as organizações estiver preso a concepções ultrapassadas, instrumentais, funcionalistas que já não dão conta dos anseios de nosso tempo.
Assista ao depoimento de Lidiane Amorim no evento Marcas de Quem Decide 2017: