O polo naval gaúcho sofreu um duro golpe na manhã de ontem, quando o Estaleiro Rio Grande, da empresa Ecovix, confirmou a demissão de cerca de 3,2 mil funcionários. O número representa mais da metade dos trabalhadores que atuavam nesse segmento na região e sinaliza que, se não houver uma mudança de perspectiva e a realização de novas encomendas pela Petrobras, a sobrevivência dessa indústria no Estado está ameaçada.
"Caos, caos total", assim descreveu a situação o vice-presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do Rio Grande e São José do Norte, Sadi Machado. O dirigente classifica como uma atitude covarde, por parte do governo federal e da Petrobras, a rescisão de contrato que ocasionou os desligamentos. A estatal tinha contratado com a Ecovix a concretização de oito cascos de plataformas de petróleo, sendo que três foram entregues, dois foram deslocados para a China para serem concluídos e os outros três tiveram os acordos cancelados. Na semana passada, o casco da P-68 deixou o Estaleiro Rio Grande e seguiu para o Estaleiro Jurong, em Aracruz (ES), para iniciar as obras de integração. Depois disso, os temores e rumores quanto às demissões no polo intensificaram-se.
Para o sindicalista, apesar da Ecovix não ter uma gestão de qualidade, os maiores responsáveis pelas dificuldades enfrentadas pela indústria naval no Estado são a Petrobras e os atuais governantes. "É uma máfia, uma quadrilha que se instalou lá em Brasília", acusa. Antes de qualquer mobilização externa, Machado comenta que o sindicato vai focar esforços para que os trabalhadores recebam todos os seus direitos e verbas rescisórias. O dirigente espera obter mais detalhes durante esta semana. A expectativa é que restem de 200 a 250 funcionários para tratar da manutenção do estaleiro. Além desses trabalhadores, há ainda cerca de 400 empregados nas obras das plataformas P-75 e P-77, que estão sendo desenvolvidas no estaleiro da QGI, e em torno de 2,2 mil colaboradores envolvidos com a demanda da P-74, no estaleiro EBR, em São José do Norte.
Conforme o sindicalista, 85% dos ex-funcionários do estaleiro da Ecovix são oriundos da Metade Sul e não há mercado atualmente para reinserir essa mão de obra qualificada. Os salários desse pessoal variam de patamares de R$ 1,8 mil a R$ 40 mil, e a ausência dessa massa salarial será fortemente sentida pela economia local. "Para o setor naval se manter, a Petrobras precisa demandar", frisa Machado. O dirigente afirma que quer ser otimista e espera que as demissões não signifiquem o começo do abandono do polo naval. O sindicalista ressalta que o Estaleiro Rio Grande possui o maior dique seco da América Latina e diversos equipamentos de ponta que não podem ficar ociosos.
O vice-presidente executivo do Sindicato Nacional da Indústria da Construção e Reparação Naval e Offshore (Sinaval) na Região Sul, Eduardo Krause, considera o fato de ontem a crônica de uma morte anunciada e algo que gera muita apreensão. O dirigente recorda que a Ecovix, que se desfiliou do Sinaval em meados deste ano, encontra-se no meio de um processo de reestruturação capitaneado pelo banco Brasil Plural. Krause adverte que, se em breve não forem feitas novas encomendas para os estaleiros na Metade Sul, os trabalhos agora em andamento deverão garantir atividades somente até o final do próximo ano ou começo de 2018.
Setor chegou a gerar mais de 20 mil empregos no Rio Grande do Sul
De acordo com o vice-presidente do Sinaval, Eduardo Krause, em 2013, a negociação do dissídio dos empregados do polo naval gaúcho abrangeu cerca de 23 mil pessoas. O executivo estima que a próxima, em 2017, deverá envolver entre 2 mil e 3 mil trabalhadores. Para o dirigente, a crise pela qual passa o setor não pode ser atribuída exclusivamente à Operação Lava Jato, tendo a queda da economia, nos últimos quatro anos, exercido enorme impacto no segmento.
Assim como os reflexos diretos na comunidade rio-grandina, o integrante do Sinaval salienta que os problemas da indústria naval atingem os polos metalmecânicos de Caxias do Sul e da Região Metropolitana de Porto Alegre. Krause acrescenta que, confirmando a informação divulgada na imprensa que a Ecovix entrará em recuperação judicial nos próximos dias, as ações no Estaleiro Rio Grande serão desenvolvidas a "passos de tartaruga".
Em nota, a Ecovix confirmou o acordo com o sindicato dos metalúrgicos aprovado ontem pela assembleia de trabalhadores. Segundo o comunicado, "a empresa mantém todos os esforços para buscar uma solução para o Estaleiro Rio Grande após a entrega no dia 8 de dezembro do navio-plataforma FPSO P-68 à Petrobras. A Ecovix está em forte processo de reestruturação financeira e operacional e busca alternativas para retomada da sua operação no futuro".
Já a Petrobras, também por nota, destaca que "contratou a Ecovix para a construção de oito cascos para o projeto Replicantes em 2010. Passados seis anos, a empresa entregou três cascos e outros dois estão em fabricação na China. Os demais não foram concluídos. Foram realizadas negociações com a fornecedora com o objetivo de concluir os contratos, contudo, devido à grave situação financeira enfrentada pela Ecovix e a situação deficitária dos contratos, a negociação culminou com um distrato amigável". A Petrobras acrescenta que a estatal e suas sócias no empreendimento sempre cumpriram com suas obrigações contratuais, não havendo qualquer pendência financeira com a Ecovix.
Reunião no Rio de Janeiro discutirá planos da Petrobras
Políticos e empresários gaúchos tentarão sensibilizar a direção da Petrobras quanto à situação do polo naval do Rio Grande do Sul. O presidente da Fiergs, Heitor Müller, informa que há uma reunião marcada com o mandatário da estatal, Pedro Parente, no dia 21 de dezembro, no Rio de Janeiro. Na verdade, esse encontro já havia sido agendado anteriormente, mas fora transferido. Conforme Müller, a ideia era debater o panorama do polo naval gaúcho antes que se chegasse a um acontecimento como o de ontem. "Queremos ter mais informações sobre os planos da estatal, até para que os empreendedores tenham confiança para fazer investimentos ou não", enfatiza. Para o empresário, a Petrobras deveria agir no sentido de gerar empregos e desenvolvimento harmônico dentro do Brasil. "Ao invés disso, a companhia prefere levar as suas encomendas para outras nações", lamenta.
"A rescisão de contrato era a pior notícia que podia ser dada", aponta o secretário estadual de Desenvolvimento, Fábio Branco. O secretário, que exerceu o cargo de prefeito de Rio Grande, enfatiza que a cidade fez investimentos em torno do polo naval em áreas como a hoteleira, de habitação, de comércio, de serviços etc. Uma prova disso é que, depois da construção dos estaleiros e da entrega da primeira plataforma de petróleo, a P-53, em 2008, dois shopping centers foram erguidos no município. "Agora, quando volto a Rio Grande, já percebo lojas e empresas fechadas", diz.
Ontem, uma audiência na prefeitura de Rio Grande traçou estratégias para a manutenção da indústria naval no município. "Ao longo de muitos anos, Rio Grande e São José do Norte se prepararam para recepcionar o setor naval, nossas cidades investiram na qualificação da mão de obra para dar conta de recepcionar as demandas que o setor traria", destaca o prefeito Alexandre Lindenmeyer. O dirigente pretende articular uma mobilização para reuniões com os governos federal e estadual, parlamentares e Sinaval. Nos encontros, as lideranças da região Sul entregarão documento com reivindicações. Também será demandada com o governo federal a manutenção, em Rio Grande e em São José do Norte, das construções dos cascos cujos contratos estão sendo rompidos pela Petrobras.