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Justiça

- Publicada em 15 de Setembro de 2009 às 00:00

Lei Caó garante punição mais severa aos crimes raciais


MOHAMED DAHIR/AFP/JC
Jornal do Comércio
Ao completar 20 anos de existência a Lei nº 7.716/89, mais conhecida por Lei Caó, depara-se com uma realidade desanimadora. Ainda pouco aplicada por juristas, a legislação que classifica o racismo como crime inafiançável, punível com prisão de até cinco anos e multa é ignorada por advogados e desconhecida por clientes. A maioria dos casos de discriminação racial acaba sendo julgada pelo artigo 140 do Código Penal, como crime de injúria – conhecido por uma punição mais branda, que varia de um a seis meses de prisão e multa.

Ao completar 20 anos de existência a Lei nº 7.716/89, mais conhecida por Lei Caó, depara-se com uma realidade desanimadora. Ainda pouco aplicada por juristas, a legislação que classifica o racismo como crime inafiançável, punível com prisão de até cinco anos e multa é ignorada por advogados e desconhecida por clientes. A maioria dos casos de discriminação racial acaba sendo julgada pelo artigo 140 do Código Penal, como crime de injúria – conhecido por uma punição mais branda, que varia de um a seis meses de prisão e multa.

A questão do preconceito racial, sempre em voga nas discussões do Judiciário, ganhou mais um exemplo emblemático: o recente caso de Januário Alves de Santana, vigia paulista que foi vítima de agressão por parte de seguranças do estacionamento de um supermercado em Osasco, em São Paulo. Os funcionários do estabelecimento teriam confundido Januário, que é um homem negro, com um possível ladrão de carros. Amplamente repercutido pela mídia, o fato lançou luz sobre como são tratados os crimes raciais no País.

De acordo com Humberto Adami, ouvidor da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial do Governo Federal (Seppir), o tratamento errôneo dos crimes de racismo como crimes de injúria é resultado da falta de qualificação dos agentes públicos, e retrato de um sistema judiciário sobrecarregado. “Existe essa má execução da lei penal, e isso se deve há vários fatores, como o excesso de presos ou a falta de estruturação do sistema prisional. Muitas vezes a polícia acaba considerando o crime de racismo menos importante, e não executa a lei corretamente.”

De acordo com a pesquisa realizada pelo professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Marcelo Paixão entre os anos de 2007 e 2008, os níveis de desigualdade entre negros e brancos ainda são expressivos no Brasil – principalmente no que diz respeito ao acesso à educação. Segundo dados divulgados no 1º Relatório das Desigualdades Raciais no Brasil, entre a população negra de 18 a 24 anos apenas uma pessoa em cada 100 frequenta o Ensino Superior. Já entre os brancos, a taxa sobe para um em cada cinco. O relatório também apurou quantas vezes as expressões “racismo” ou “crime racial” apareciam na jurisprudência dos tribunais do País. O resultado computou menos de 100 referências a decisões que abrissem caminho para novos tratamentos em casos de crimes raciais.

A falta de julgamento e, consequentemente, da melhoria das questões raciais se deve muitas vezes à vergonha da vítima em registrar queixa na delegacia. Grande parte da população negra ainda sente-se constrangida de relatar casos de discriminação. Na visão de Adami, as pessoas sentem-se desmotivadas porque não veem resultados. “Algumas pessoas preferem se poupar, e acabam não denunciando. Mas relatar casos de racismo é fundamental para que possamos munir a área jurídica e torná-la competente para ações como essa”, observa.

Para ele, a principal barreira a ser vencida é a do preconceito velado. Uma espécie de racismo institucional que paira sobre o sistema jurídico brasileiro, e acaba atingindo a população. “Atualmente somos todos vítimas de um racismo sem cara, no qual se pode perceber um comportamento coletivo, mas sem a possibilidade de se indicar um agente específico”, explica o ouvidor, que também é advogado e já defendeu casos de racismo. “Algumas pessoas nem percebem que estão praticando um ato racista”, conclui. Essa espécie de banalização do comportamento preconceituoso, como se fosse parte inerente da cultura nacional é um dos principais fatores que levam a má execução da Lei Caó. Ao tornar-se um ato corriqueiro, o preconceito deixa de ser tratado como um crime grave, e torna-se apenas um caso de injuria.

Entretanto, somente através da denúncia e do conhecimento de advogados e clientes da correta aplicação da legislação de 1989 é que será possível vencer a barreira racial ainda presente no Brasil. Adami enfatiza que não se deve ter receio na hora de aplicar a Lei Caó. “A base está na preparação dos advogados para lidar corretamente com a questão racial. Isso torna o processo mais eficiente e justo, para todos os envolvidos”, conclui o ouvidor.

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