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Entrevista Especial

- Publicada em 22 de Agosto de 2011 às 00:00

Brizola abraçou ideia de Jango em 1961, testemunha Sereno


MARCO QUINTANA/JC
Jornal do Comércio
O presidente da CGTEE, Sereno Chaise (PT), conviveu com Leonel Brizola por mais de cinco décadas. Morou com o amigo em uma pensão nos tempos de estudante, nos anos 1940, fez a campanha dele para deputado e para prefeito nos anos 1950, e foi líder do governo na Assembleia Legislativa durante a gestão de Brizola no Palácio Piratini.
O presidente da CGTEE, Sereno Chaise (PT), conviveu com Leonel Brizola por mais de cinco décadas. Morou com o amigo em uma pensão nos tempos de estudante, nos anos 1940, fez a campanha dele para deputado e para prefeito nos anos 1950, e foi líder do governo na Assembleia Legislativa durante a gestão de Brizola no Palácio Piratini.
Atuante na Campanha da Legalidade em 1961, ele testemunha que não houve desavença entre Brizola e João Goulart naquele movimento. Nesta entrevista - a primeira de uma série de reportagens do Jornal do Comércio com personagens do episódio que está completando 50 anos -, Sereno relata que o então governador se comprometeu em apoiar Jango e não fez restrições à opção conciliadora do vice-presidente, de aceitar assumir o comando do País em um regime parlamentarista, após a renúncia de Jânio Quadros.
“Brizola não queria aceitar o parlamentarismo, mas Jango tinha essa preocupação de evitar derramamento de sangue. Brizola, então, deu carta branca ao Jango: ‘O que tu resolveres, nós acatamos’.”
Sereno também lembra, emocionado, como foi seu distanciamento do PDT e do amigo, com quem lamenta não ter se reconciliado antes de sua morte, e reproduz em detalhes a discussão que marcou o último diálogo que teve com Brizola, por telefone, no ano 2000.
Jornal do Comércio - A Legalidade foi um gesto não estudado pelo Brizola? Ele vociferou e depois o movimento ficou maior do que o imaginado por ele?
Sereno Chaise - Em parte foi. Nem tinha esse nome (Legalidade). Mas é preciso entender aquele momento. Havíamos sido derrotados na eleição presidencial (1955) em que Juscelino (Kubitschek, do PSD) ganhou do general (Henrique Teixeira) Lott, mas Jango (PTB) foi eleito para vice-presidente. Em 1960, repetiu-se a aliança: Lott e Jango. Perdemos novamente a eleição para a presidência. Foi eleito Jânio Quadros, mas Jango foi reeleito para vice. Naquele tempo se votava separado para presidente e vice.
JC - E o governo Jânio?
Sereno - Surpreendentemente, Jânio, eleito pelas forças de direita, vinha realizando um governo progressista e nacionalista, agradando até mesmo a nós, que tínhamos perdido as eleições. Na parte administrativa, estava colocando ordem nas coisas. E a Nação foi surpreendida com a renúncia dele (em 25 de agosto de 1961); ninguém esperava, estava todo mundo satisfeito com o governo. Mas mais surpreendida ainda ficou a Nação com o gesto dos ministros militares.
JC - A iniciativa dos militares de tentar abortar a posse de Jango foi planejada pelas forças de direita? Ou foi planejada pelos militares e depois apoiada por forças de direita?
Sereno - Isso ninguém sabe. A iniciativa aparentemente foi deles (militares). Agora, movidos pelo quê? Forças ocultas que ninguém sabe. E aí que surgiu o problema: respeito à Constituição.
JC - Houve agilidade nessa reação liderada pelo Brizola.
Sereno - Brizola assumiu com a coragem que ele tinha. Era uma parada indigesta. Mas ele protestou contra o desrespeito à Constituição.
JC - E o movimento cresceu...
Sereno - É verdade, cresceu. Requisitou a Rádio Guaíba e formou a Rede da Legalidade, nos porões do Palácio Piratini. A Legalidade foi um momento cívico acima dos partidos, porque até o PL (Partido Libertador), até a oposição na Assembleia Legislativa apoiou, ou pelo menos não mandou contra. E quando Jango esteve aqui em Porto Alegre, recebeu todas as bancadas da Assembleia no salão Negrinho do Pastoreio do Palácio Piratini.
JC - Mas houve certa decepção com Jango.
Sereno - Houve. A gente ficava um pouco frustrado. Eu fiquei.
JC - Começou com o atraso proposital no retorno da China para o Brasil...
Sereno - Mas isso foi tática. Eram duas crises no País: uma política e outra econômica. O País vivia com uma inflação de 80% ao mês. E achei que se ele (Jango) assumisse com emenda parlamentarista, sem poderes, esvaziaria a crise política, porém, iria agravar a crise econômica. Mas ele dizia que, a qualquer preço, faria com que não corresse sangue de irmão contra irmão.
JC - Jango não queria o presidencialismo na marra?
Sereno - Discutiu-se isso muito no Palácio (Piratini). Brizola teve uma atuação importante nesse processo e eu era muito mais ligado a ele. Até que o Brizola disse para o Jango: “O que tu resolveres, nós acatamos”. Muitos de nós achávamos que iríamos em frente, subir para o Rio de Janeiro, botar para fora os golpistas. Brizola não queria aceitar o parlamentarismo, mas Jango tinha essa preocupação (de evitar derramamento de sangue). Brizola, então, deu carta branca. Imagino que Jango deveria ter na cabeça - nunca nos disse isso - que, depois, com um plebiscito, o presidencialismo seria reimplantado.
JC - Jango estrategista...
Sereno - A Nação cometeu uma grande injustiça com ele. Porque Jango foi um cara desprendido, que abriu mão (de assumir em um regime presidencialista) para pacificar o País, para evitar o derramamento de sangue de irmão contra irmão. Discutimos isso com ele, anos mais tarde.
JC - Na praia de Atlântida, no Uruguai?
Sereno - A seis quilômetros de Atlântida, no departamento de Maldonado, na fazendinha do Jango. Naquela tarde, ele disse que, se tivesse enfrentado (os militares) para assumir a presidência com o presidencialismo, ganhava. Mas o Brasil seria da Bahia para baixo. A frota americana estava lá. Hoje, inclusive, está publicado um livro (do ex-embaixador Lincoln Gordon) que conta isso, dá o nome dos navios...
JC - Naquele episódio de 1961 não houve uma cisão entre Jango e Brizola, então?
Sereno - Não. Isso foi depois de 1964. Em 1961, eles estavam sintonizados.
JC - O senhor e Leonel Brizola, desde 1946, viveram pela mesma cartilha. Quando foi que os senhores rasgaram a cartilha?
Sereno - Foi muito recente. E mais por problemas daqui, não por problemas nacionais...
JC - Quais problemas?
Sereno - De várias ordens. Por exemplo, teve um encontro na churrascaria do Grêmio. E tive uma discussão com a turma do Rio de Janeiro. Um disse: “O partido está salvo. O chefe vai sair direto da prefeitura do Rio para a presidência da República”, comparando com a prefeitura de Buenos Aires e a presidência da Argentina. Eu disse: “Vocês são todos loucos. Primeiro, o Brasil não é a Argentina, em que os eleitores estão concentrados na capital”. Na época eram cerca de 280 cidades com mais de 200 mil habitantes. “E o papel do presidente nacional do partido (Brizola) não é ser candidato aqui ou ali. A eleição no Rio é importante? É. Mas e a de São Paulo, Belo Horizonte, Recife,  Porto Alegre, Curitiba? A obrigação do presidente nacional do partido é cuidar do partido em todas as capitais. Não é ser candidato numa.” E aí ele fez 9% dos votos apenas (na eleição para a prefeitura do Rio em 2000). Mas discutimos muito ali.
JC - Sem a presença dele.
Sereno - Ele estava lá, observando. No fim da noite, no hotel, ele disse: “Amanhã, te espero às 7h no apartamento para a gente tomar um café.” Chego lá para tomar café e ele: “E aí, compadre, estava acalorada a discussão ontem lá no churrasco.” E eu: “Estou preocupado com essa história. Tu já foste governador de estado duas vezes e agora vai ser candidato a prefeito do Rio. Não tem sentido isso.” E ele: “Não esquenta a cabeça. Isso é loucura, é bobagem desses malucos.” Está bem, tirei da cabeça. Vinte dias depois, ele era lançado candidato. E fez 9% dos votos. E aqui teve outras histórias.
JC - Mas quando houve o rompimento?
Sereno - Saí do partido em 2000. Eu pensei: “Mas o que eu estou fazendo aqui (no PDT)? Tudo o que eu digo é ao contrário. Estou incomodando aqui”.
JC - E aqui no Estado?
Sereno - Nada pessoal contra o (Alceu) Collares (PDT), mas não dá a candidatura dele (a prefeito de Porto Alegre em 2000). É dar murro em ponta de faca. Disse isso para Brizola e ele me garantiu que Collares não seria candidato. Mais ou menos um mês depois, ele chega aqui e impõe a candidatura do Collares. “Ora, mas o que eu estou fazendo?” Anos antes disso, no fim do governo Collares, Brizola chega aqui em Porto Alegre e dá uma entrevista no Mercado Público elogiando Antonio Britto. E eu digo: “Nessa campanha o partido decidiu ter candidato. Como é que tu elogias o Britto desse jeito?” Aí, passou a eleição, terminou a votação do primeiro turno, eram 9h da noite e o Britto bateu lá em casa. “Vim aqui porque quero o seu apoio para o segundo turno.” Aí, eu disse: “Dr. Britto, vou trabalhar para que o partido apoie o Olívio Dutra (PT)”. Ele agradeceu a sinceridade. Depois, consegui convencer o Brizola a apoiar o Olívio. Publicamente, a gente recebeu Olívio lá no partido, o Brizola foi, uma beleza. Tempos depois, Olívio governador, ele chega descascando ferro no Olívio. Então, uma série de coisinhas...
JC - E a sua saída em 2000...
Sereno - O tesoureiro do partido tinha pedido licença e haviam concedido. Aí, eu, Dilma (Rousseff), Marcos Klassmann e outros 10 ou 12 integrantes pedimos licença por seis meses (na época da campanha eleitoral à prefeitura de Porto Alegre em 2000). A eleição era dali a um mês ou dois, passava Carnaval, as cabeças esfriavam... E entramos com esse requerimento conjunto. Se o partido negasse a licença, era para transformar o requerimento em pedido de desfiliação. Ao meio-dia, me ligaram do partido e me falaram que me mandaram um fax do Rio. Aí, liguei para o Brizola, que estava em Niterói. Foi a última vez em que a gente conversou.
JC - Como foi?
Sereno - Ele falou: “O que que é isso, compadre? Retira isso.” Eu disse que não: “Primeiro, eu não estou sozinho, é um grupo. Segundo, é uma coisa bem refletida, não vejo mais o que fazer no partido. Então, honestamente, estou pedindo licença para tomar outro rumo.” E o Brizola: “Mas o partido vai negar a licença e a desfiliação!” Aí falei que a licença o partido poderia negar, apesar de um membro da executiva estar licenciado. Mas, se o partido negasse a licença, a desfiliação o partido não poderia negar. É ato unilateral. “Ah, mas o que é isso? Você está sendo duro.” “Não, não estou. Estou procurando ser macio. Até queria uma licença para não ter que tomar logo a atitude”, respondi... Foi a última vez em que falamos. “Ah, o partido vai negar a licença e a desfiliação!” E eu: “Então, vamos partir para a Justiça Eleitoral pedindo a desfiliação. Ninguém pode se opor.” E nós nunca mais nos falamos...
JC - O senhor lamenta o fato de Brizola ter morrido sem o senhor ter se reaproximado dele?
Sereno - Eu lamento sim... Eu fiquei muito alegre quando eles (Brizola e João Goulart) se reconciliaram (durante a ditadura) devido à atitude do Jango. Imagina se não tivesse havido aquele encontro! Era meia-noite, se fecharam os dois lá, e ficaram até as 6h da manhã.
JC - Se o senhor tivesse que dizer alguma coisa para ele hoje, se estivesse vivo, o que seria?
Sereno - Que eu aprendi a conviver com ele. Senti falta dele, do jeito dele, a gente sente falta disso. Vivemos muitas lutas... Isso é muito pessoal. Se realmente existe o “outro lado”, não vai haver constrangimento. Quando eu chegar lá, vai haver uma reconciliação.
JC - Como e quando o senhor conheceu Brizola?
Sereno - Foi em 1946. Meu pai era getulista, morávamos no interior de Soledade. Quando eu já morava aqui em Porto Alegre, em 1946, num sábado, na Praça da Alfândega, estou lendo a Folha da Tarde depois do almoço. E tinha um convite para participar de uma reunião da Ala Moça do PTB, bem perto dali. Fui lá assistir e me filiei ao PTB. Depois, Brizola foi meu companheiro de quarto numa pensão na rua Marechal Floriano, já em 1948 e 1949. Só saiu dali quando se casou, em 1 de maio de 1950.
JC - Em que momento o senhor percebeu que a liderança de Brizola tinha algo a mais?
Sereno - No mandato de deputado estadual. Ele sempre foi um ‘pé de boi’ para trabalhar, era bom orador... Depois, na Secretaria Estadual de Obras Públicas. Brizola tinha 32 anos.

Perfil

Sereno Chaise, 83 anos, é natural de Soledade, onde viveu até os 10 anos, quando foi a Passo Fundo cursar o Ginásio. Em 1945, mudou-se para Porto Alegre a fim de prosseguir os estudos. Formou-se em Direito pela Pucrs, na turma de 1952. Também trabalhou no Tribunal Eleitoral. Sua atuação política começou em 1946, na Ala Moça do PTB, onde conheceu Leonel Brizola. Em 1951, elegeu-se vereador pelo PTB em Porto Alegre. Em 1955, era presidente da Câmara Municipal e não tentou a reeleição para se dedicar exclusivamente à campanha de Brizola, que venceu a disputa pela prefeitura. Nos anos seguintes, foi secretário-geral de governo do município. Em 1957, elegeu-se deputado estadual. Com Brizola no Piratini, foi líder do governo no Parlamento. Em 1964 assumiu a prefeitura de Porto Alegre. Cassado pela ditadura militar, permaneceu na Capital durante o regime, quando advogou e manteve um bar. Na redemocratização, filiou-se ao PDT, pelo qual foi candidato ao governo do Estado em 1994. Em 2000, migrou para o PT. De 1999 a 2002 foi vice-presidente do Banrisul. Desde 2003 está na Companhia de Geração Térmica de Energia Elétrica (CGTEE). Foi diretor financeiro e é presidente da estatal há cinco anos.
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