O consultor e professor de Direito Ambiental, Beto Moesch - que coordenou os debates na Assembleia Legislativa, durante os anos 1990, que deram origem ao Código Estadual do Meio Ambiente - considera um "escândalo" o projeto do novo código ter sido protocolado em regime de urgência no Parlamento, pois "prejudica um dos pilares do direito ambiental brasileiro: a participação da sociedade nos processos decisórios".
Em 1992, Moesch - que já foi secretário do Meio Ambiente de Porto Alegre e vereador pelo PP - foi convidado pela Assembleia para mediar os debates entre entidades empresariais, movimentos ambientais e órgãos fiscalizatórios. O resultado foi a atual legislação ambiental, aprovada em 2000.
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Como lembra nesta entrevista ao Jornal do Comércio, as discussões exaustivas, nas quais todas as partes abriam mão de alguma reivindicação, garantiram que o texto fosse aprovado por unanimidade no plenário da Assembleia, sem a emenda de um parlamentar sequer. Por isso, acredita que a sociedade deve participar da mudança desse texto.
Moesch também critica a Licença Ambiental por Compromisso, uma das principais propostas do novo código. Conforme esse modelo, o empreendedor apresenta a documentação exigida pelos órgãos ambientais e, em até 24 horas, a licença é emitida. Depois que o negócio já estiver funcionando, os órgãos ambientais passam a fiscalizar.
Jornal do Comércio - Que retrospectiva o senhor faz dos debates que deram origem ao Código Estadual do Meio Ambiente?
Beto Moesch - A pedido da Assembleia Legislativa, coordenei os debates sobre a elaboração do código. As discussões duraram nove anos e envolveram todos os segmentos interessados no tema: Farsul (Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul), Fiergs (Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul), Famurs (Federação das Associações de Municípios do Rio Grande do Sul), organizações não governamentais, universidades, técnicos de órgãos municipais, Secretaria do Meio Ambiente de Porto Alegre, Fepam (Fundação Estadual de Proteção Ambiental), Defap (Departamento de Florestas e Áreas Protegidas, da Secretaria Estadual do Meio Ambiente), Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), enfim, setor produtivo, setor ambiental formal e o não governamental. Fazíamos reuniões semanais, buscando sempre o consenso. Então, todo mundo abria mão de alguma coisa para chegar a um termo comum. Por isso, levou anos. Só que esse método fez com que o projeto chegasse totalmente redondo ao plenário, tanto que foi aprovado por unanimidade em 2000, sem nenhuma emenda.
JC - Mas os trabalhos foram mais intensos entre 1992 e 1994...
Moesch - Sim. O debate nesse período deu origem ao projeto que foi protocolado na Assembleia. Mesmo sendo amplamente debatido pela sociedade, nas reuniões semanais, fizemos um seminário para fechar a minuta final do projeto em 1994. O projeto demorou para ser votado, porque tinha uma resistência muito grande em aprovar o Código. Por isso, depois de elaborar o texto com todas as partes, foi sendo costurado (o acordo para votação) entre 1995 e 2000.
JC - Em 2000, o texto foi finalmente aprovado...
Moesch - Em 2000, o texto foi adequado à legislação federal e, enfim, aprovado. Durante os nove anos de discussão do Código Estadual do Meio Ambiente, houve mudanças na legislação federal, em 1997, principalmente com a resolução 237 do Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente), que trata dos processos administrativos. De qualquer forma, conseguimos a mobilização de toda a sociedade gaúcha, o que garantiu que fosse um texto bastante representativo. O Código Estadual se mostrou muito moderno já em 1994.
JC - O senhor menciona que o código é moderno, mas, ao defender a nova legislação, o governo costuma dizer que a proposta vai modernizar as normas ambientais...
Moesch - O que seria modernizar a legislação ambiental no século XXI? Preservar mais! O que o governo está fazendo, na realidade, é assumir uma postura atrasada, antiecológica. A legislação ambiental gaúcha é moderníssima até hoje. Não está ultrapassada. Pelo contrário, ela não tem sido aplicada na sua inteireza.
JC - Por que o projeto do governo é antiecológico? Se refere ao mecanismo de licenciamento por termo de compromisso?
Moesch - Esse tipo de licenciamento coloca no lixo dois dos principais princípios do direito ambiental brasileiro: o princípio da prevenção e o da precaução. As licenças são um instrumento para prevenir danos ambientais. No modelo proposto no novo Código, não existe mais licenciamento prévio. O Estado vai fiscalizar se os empreendimentos estão cumprindo as normas ambientais depois de já estarem funcionando. O problema é que, se um dano ambiental já tiver ocorrido, não adianta mais fiscalizar. O estrago no meio ambiente já vai ter sido feito. Tem que evitar o dano, não deixar que ele ocorra. Por isso, existe a licença prévia. Aliás, mais de 100 países trabalham com esse tipo de licença.
JC - O governo sustenta que é necessário mudar o Código Ambiental para agilizar o licenciamento, que demora muito no sistema atual. Concorda?
Moesch - Em primeiro lugar, o licenciamento demora no Brasil inteiro, não é só no Estado. Portanto, o problema não está no Código Estadual do Meio Ambiente. Aliás, o Código Estadual apenas menciona o licenciamento, ele não regulamenta essa parte. Em segundo lugar, o Código facilita a licença dos empreendimentos sustentáveis e dos agricultores que cuidam do solo, da água etc. O problema é que 90% dos projetos que chegam aos órgãos ambientais são mal elaborados. Esse é um dos fatores que faz o licenciamento demorar. Além disso, tem a falta de estrutura dos órgãos ambientais, o que atrasa a análise dos projetos e a fiscalização para ver se as atividades estão ocorrendo de maneira correta.
JC - O projeto do novo Código Ambiental foi protocolado em regime de urgência, o que determina que o texto seja apreciado em até 30 dias...
Moesch - É um escândalo o regime de urgência. É um desrespeito à sociedade gaúcha, a todos os segmentos que participaram do processo de confecção do Código atual e à história ambiental do Rio Grande do Sul. Inclusive, isso fere um outro princípio do direito ambiental brasileiro: o princípio da participação da sociedade nos processos decisórios. Como a sociedade vai participar dos debates, se o projeto foi encaminhado em regime de urgência? É uma atitude antidemocrática.