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Entrevista Especial

- Publicada em 13 de Maio de 2018 às 21:37

Gustavo Franco quer privatizar Caixa, Banco do Brasil e os Correios

Gustavo Franco foi um dos idealizadores do Plano Real na década de 90

Gustavo Franco foi um dos idealizadores do Plano Real na década de 90


LUIZA PRADO/JC
Um dos responsáveis pela criação do Plano Real, o economista Gustavo Franco está filiado ao Partido Novo e é o principal formulador do plano de governo da sigla. Ele defende uma plataforma de gestão que avance na reforma trabalhista e retome o modelo inicial da reforma previdenciária, além de propor uma agenda de privatização que inclui Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal e Correios. "Temos que tirar o melhor, do ponto de vista do acionista controlador, e assegurar que a população tenha o melhor serviço possível", sustenta.
Um dos responsáveis pela criação do Plano Real, o economista Gustavo Franco está filiado ao Partido Novo e é o principal formulador do plano de governo da sigla. Ele defende uma plataforma de gestão que avance na reforma trabalhista e retome o modelo inicial da reforma previdenciária, além de propor uma agenda de privatização que inclui Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal e Correios. "Temos que tirar o melhor, do ponto de vista do acionista controlador, e assegurar que a população tenha o melhor serviço possível", sustenta.
No caso da Caixa, Franco critica a maneira como é administrado o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), e acusa o governo de usar "o dinheiro das pessoas para objetivos políticos". Sua proposta é que o fundo seja transformado em um novo instrumento previdenciário. "É uma reforma importante até porque se comunica com o mercado de capitais, aonde os recursos do FGTS novo teriam que buscar investimentos rentáveis", propõe.
Franco vê como acertada a escolha da equipe econômica do presidente Michel Temer (PMDB). Ainda assim, apresenta uma proposta econômica diferente da adotada hoje no Brasil, com focos na redução do custo do capital e no aumento da produtividade.
Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, o ex-presidente do Banco Central (BC) também fala que o modelo liberal difere dos discursos conservadores de alguns pré-candidatos. "E essas duas coisas tem sido combinadas de um jeito curioso. Gente conservadora vêm em busca do liberalismo econômico para enfeitar seus projetos conservadores. Não tem nada que ver conosco."
Jornal do Comércio - Que comparação se pode fazer entre a situação econômica em 1994, ano do lançamento do Plano Real, e a atual situação econômica do País? Como isso pode refletir no cenário eleitoral?
Gustavo Franco - Comparação difícil. São momentos diferentes. Talvez tenha uma semelhança no aspecto do vice-presidente, que começa com um déficit de legitimidade e procura compensar com sucesso na economia. (O ex-presidente) Itamar Franco (1992-1994) e Michel Temer talvez tenham começado parecidos. Itamar Franco na quarta tentativa acertou um time econômico bom, Michel Temer já começou com um time bom na partida. Porém, Itamar não teve as dificuldades que Michel teve no decorrer de sua administração. Também não havia, para esta equipe de agora, o desafio que teve para nós, de vencer a inflação, que foi uma coisa histórica, com implicações muito positivas para o mundo político e para a eleição. Então, nesse aspecto, ainda que Michel Temer tenha feito a escolha certa na área econômica e apostado que esse time faria a melhor política econômica, não tinha um bilhete de loteria como foi o Plano Real para o presidente Itamar, pelo menos do ângulo político. É diferente.
JC - O senhor tem defendido, e é uma bandeira do Partido Novo, uma política mais liberal, abertura para privatizações e o estado mínimo. Neste quesito, qual é a proposta do Novo para a candidatura à presidência?
Franco - A proposta econômica tem duas vertentes muito simples: uma é a redução do custo do capital e a outra é o aumento da produtividade. São dois eixos muito simples. Quando se fala de reduzir o custo de capital, está se tratando de finanças públicas para que o juro seja menor, acesso ao crédito seja facilitado, mais barato, para quem empreende possa investir, já que o investimento é o que impulsiona o crescimento. Historicamente, o Brasil tem tido taxas de investimento muito pequenas, em decorrência de ser o campeão mundial em juros, coisa que a gente deve se esforçar para deixar de ser. Isso é uma família de medidas que compreende coisas na área fiscal, previdenciária e mesmo privatização. Já o assunto produtividade compõe-se de coisas, na maior parte delas microeconômicas, tendo que ver com o ambiente de negócios. Mas tem aí a reforma trabalhista, avançar bem além do que a gente já foi; abertura da economia, que também é outra área que estamos atrasados... E tem muitas outras coisas pertinentes ao ambiente de negócios que têm que ver com burocracia, regulação estatal, sistemas tributários. A pauta de produtividade é muito ampla, tão ampla quanto tem sido as dificuldades para quem quer empreender no País.
JC - Quando o senhor fala em avançar na reforma trabalhista, em que pontos ou ponto específico ocorreria esse avanço?
Franco - O princípio de que o combinado deve prevalecer sobre a lei pode ser ampliado bem além do que já foi. Nesta reforma, por exemplo, foi introduzido um dispositivo pelo qual quem ganha mais de duas vezes o teto da pensão previdenciária, que é mais ou menos R$ 11 mil, não é mais considerado hipossuficiente, portanto pode negociar seu contrato de trabalho na condição que bem entender. É como se estabelecesse que abaixo de R$ 11 mil as pessoas não têm condições de negociar seu contrato de trabalho. Eu não acredito que tenha tanta gente sem condições de negociar seu contrato de trabalho. Então, se esse número fosse, por exemplo, a maioridade da Receita Federal, o limite de isenção do Imposto de Renda, (aproximadamente R$ 2,4 mil), um percentual muito grande dos trabalhadores deste País poderia negociar livremente sua força de trabalho. Embora seja uma questão constitucional, não vejo por que o trabalhador não pode convencionar com seu empregador que ele não vai receber 13 salários por ano, mas cinco, ou quatro, ou 15, entendeu? Ou que queira tirar suas férias em um determinado período do ano, ou que queira vender suas férias e receber em dinheiro. Por que não?
JC - Funcionários e empresas têm condições de negociar, quando se tem uma massa grande de trabalhadores? Falando em grandes empresas, com um grande número de funcionários, como se daria essa relação?
Franco - Para isso existem os sindicatos, que se organizam pelo interesse dos seus próprios membros, são entidades que negociam. Mas a maior parte das relações de trabalho tem a ver com pequenas empresas, pequenos contingentes de pessoas que olham no olho do seu empregador e compreendem as relações de trabalho quase como sócio, um cara que está no mesmo barco do empresário, torce e trabalha pela empresa, às vezes vira sócio. As relações de trabalho deveriam ser reguladas para levar mais cooperação, produtividade e eficiência às empresas, do que reguladas no sentido do confronto.
JC - O que o Novo pretende defender com maior intensidade na candidatura à presidência?
Franco - A reforma previdenciária com certeza, essa que foi apresentada teria que voltar ao desenho original, mais completo. Mas ela tem uma segunda parte que ficou faltando e gostaríamos de trazer, de previdência complementar, e que consiste basicamente em uma reforma do FGTS, para transformá-lo em um instrumento previdenciário mais claro e mais eficiente, e que redunda no FGTS começar a trabalhar pelo seu cotista e não funcionar a favor do administrador, que é o governo e a Caixa Econômica Federal. Hoje, se tem algo como R$ 450 bilhões ou R$ 500 bilhões de ativos no FGTS. É menor do que tem em fundos de pensão no Brasil, que no conjunto devem ter R$ 800 bilhões de ativos. No entanto, o rendimento do FGTS de 2003 para cá foi 1/6 do que foi o rendimento dos fundos de pensão. Isso significa que o valor que cada um tem, no FGTS poderia ser seis vezes maior. Para onde foi esse dinheiro? O FGTS fez investimentos ruins, pagou muita taxa de administração para a Caixa Econômica Federal, é o governo que está usando o dinheiro das pessoas para objetivos políticos, não permitindo que tenham uma velhice tranquila a partir desse dinheiro. É uma reforma importante até porque se comunica com o mercado de capitais, aonde os recursos do FGTS novo teriam que buscar investimentos rentáveis.
JC - E as privatizações no País, quais seriam?
Franco - Privatização, é importante, mas vamos lembrar que tem Petrobras, Banco do Brasil e Caixa, e não tem muito mais coisa. Das 149 empresas estatais, muitas estão debaixo desse três grupos. A Eletrobras que tem uma porção de empresas embaixo, mas toda a Eletrobras vale R$ 27 bilhões. O controle da Eletrobras é menos da metade disso. Não é uma privatização que vai mudar o rumo do Brasil, vai mudar o rumo dessas empresas, ou a lógica de funcionamento do setor elétrico, por exemplo. O Banco do Brasil é uma privatização que pode sim gerar muito mais dinheiro e introduzir um competidor espetacular para os grandes bancos brasileiros, que não deveriam participar dessa compra. Também o Banco do Brasil serviria para introduzir uma lógica de "corporation" no mundo bancário, que é mais técnico. A Caixa Econômica Federal, precisa primeiro romper o seu relacionamento com o FGTS, depois provavelmente pensar se vale a pena fazer um IPO (sigla em inglês para Oferta Pública Inicial) para abrir o capital e depois vender o controle, ou tirar um pedaço, alguns dos negócios poderiam ser vendidos separadamente, como o negócio de seguros, onde já tem um sócio estrangeiro inclusive, o negócio de "asset management" (gestão de ativos), ou talvez manter sozinho... Não sei, vamos fazer as contas do que é melhor.
JC - Como seria no caso do Banco do Brasil?
Franco - O Banco do Brasil pode ser uma privatização muito importante para mostrar que a companhia passa a ser privada sem ser descaracterizada. Mantém a mesma marca, apenas com administração privada pode ser muito melhor. É um pouco o mesmo que aconteceu com a Vale, porém com o impacto muito mais pulverizado, porque um banco comercial afeta a vida de milhões e milhões de pessoas, diferentemente de uma empresa de mineração. Então seria uma transação importantíssima que ia modificar completamente a percepção que se tem do mercado de capitais, como ferramenta básica de desenvolvimento econômico. Está prontinho para fazer.
JC - E em se tratando da Caixa, que é hoje o principal órgão de fomento das políticas sociais do governo. Com quem ficaria essa função?
Franco - Não é preciso ter um banco desse tamanho para fazer fomento. Pode se fazer de mil outras maneiras mais baratas. E não sei se eu chamaria de fomento muitas das coisas que a Caixa Econômica faz com o dinheiro do contribuinte. Em muitos dos casos, é mais para clientelismo político, que não sei se é para continuar. E tem muitas outras empresas estatais que tem patrimônio líquido negativo, que aí é encrenca, não vender, é o contrário, é pagar para fechar, para deixar de ter aborrecimento. E são muitas. Tem casos que não se quer fechar, e nem pode, como são os Correios, mas provavelmente não têm valor para vender. Mas tem que ter Correios, então, para privatizar, precisa desenhar um modelo, tendo uma ou duas empresas que façam o serviço... Precisa pensar. Isso é o patrimônio público, temos que tirar o melhor, do ponto de vista do acionista controlador, e assegurar que a população tenha o melhor serviço possível.
JC - Quando se fala em liberalismo econômico, também se refletiria em um liberalismo de costumes? Isso acaba conflitando muitas vezes em alguns discursos. Existe incoerência em candidatos que se atribuem esse papel.
Franco - É verdade, porque o liberalismo econômico não significa conservadorismo. E essas duas coisas tem sido combinadas de um jeito curioso. Gente conservadora vêm em busca do liberalismo econômico para enfeitar seus projetos conservadores. Não tem nada que ver conosco. O Novo pensa questões de comportamento, questões indenitárias do ponto de vista liberal. Em muitos casos nem coloca tais questões na frente do seu programa. Em assuntos muito polêmicos, tipo drogas, maconha, como não ter curiosidade com os experimentos que estão acontecendo na Califórnia, no Colorado de liberação e organização da coisa como uma atividade econômica comum, regulada, que produz receita tributária, emprego, tem aplicação medicinal? Vamos examinar. Eu não tenho certeza se esse é o melhor caminho, e nem tenho certeza sobre como isso encaixa nas políticas de segurança. São coisas que temos que olhar sem preconceito, mas sem paixão também.
JC - O senhor não pensa em se candidatar?
Franco - Não. Não é minha especialidade, eu trabalho bem no que eu sei fazer.
JC - Almeja, de alguma maneira, poder participar de algum governo, seja do Novo ou não?
Franco - Sim, no governo do Novo participarei sem problema. Em outro, provavelmente não.
JC - De nenhum dos candidatos que se colocam?
Franco - Não, já tive a minha experiência de governo, estou satisfeito com ela.

Perfil

Gustavo Henrique de Barroso Franco, 62 anos, natural do Rio de Janeiro, é bacharel (1979) e mestre (1982) em Economia pela Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio de Janeiro e Ph.D (1986) pela Universidade de Harvard, nos Estados Unidos. É sócio-fundador da Rio Bravo Investimentos, presidente do Conselho de Governança do Instituto Millenium e presidente da Fundação Novo. Foi presidente do Banco Central do Brasil no governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB), diretor da Área Internacional do Banco Central e secretário adjunto de Política Econômica do Ministério da Fazenda, entre 1993 e 1999. Teve participação central na formulação, operacionalização e administração do Plano Real. Participa de conselhos consultivos e de administração e escreve regularmente para jornais e revistas. É professor do Departamento de Economia da PUC-RJ desde 1986, tendo pesquisas em áreas como economia internacional, inflação, hiperinflação, estabilização, câmbio e moeda. Tem diversos livros publicados e mais de uma centena de artigos em revistas acadêmicas.