Michele Rolim
O curador da 11ª Bienal do Mercosul, que ocorre de 5 de abril a 4 de junho do próximo ano, é o crítico de arte alemão Alfons Hug. Desde 2001 ele circula pelo Brasil - já dirigiu o Instituto Goethe do Rio de Janeiro e atuou no País nas Bienais de São Paulo e do Mercosul (foi cocurador em 2003), da qual diz que visitou todas as edições com exceção da primeira. Também foi curador das Bienais de Veneza, São Paulo, Montevidéu e Dakar, além da Bienal do Fim do Mundo, na Argentina. Hug, atualmente, dirige o Instituto Goethe em Lagos, na Nigéria. Ele assina, em Porto Alegre, a curadoria de uma Bienal do Mercosul modesta em termos financeiros, mas que não perderá em nada para as demais em termos de qualidade. Ao seu lado está a curadora adjunta Paula Borghi.
JC Panorama: O tema da 11ª Bienal do Mercosul é O Triângulo do Atlântico, que remete a Europa, África e América. Como surgiu essa temática?
Alfons Hug: Quando participei da Bienal do Mercosul, fui responsável por uma mostra transversal que visava apresentar trabalhos fora da América latina. Foi uma primeira tentativa de abrir um pouco a bienal para trabalhos de fora. Essa é uma tendência de todas as bienais. Com esse tema, queremos ir um pouco além dos artistas da América Latina. Estou morando na Nigéria neste momento - o Brasil e a África ocidental, sobre tudo, tiveram vínculos durante séculos, talvez no passado um pouco mais intenso do que hoje. A ideia do Atlântico é um bom ponto de partida.
Panorama: Quais espaços a Bienal deve ocupar na cidade?
Hug: A Bienal vai ocupar os três museus na Praça da Alfândega - Margs, Memorial e Santander Cultural -, além das Igreja das Dores para um projeto especial - haverá redução nos locais, por isso a lista de nomes vai diminuir. Teremos cerca de 70 artistas na mostra. Artistas hispânicos, da América do Norte, e pelo menos 15 da África - que será grande novidade para essa Bienal, até porque a arte na África, nos últimos 30 anos, evoluiu muito em todos os aspectos. Como fotografia, vídeo e performance - para ter uma ideia, quatro artistas da Nigéria participaram da Documenta de Kassel, isso já mostra a qualidade da produção. Teremos trabalhos da África do Sul e também de países como Senegal, Benin, São Tomé e Príncipe, Nigéria, Gana, Costa do Marfim, Angola e até Zimbabue.
Panorama: O senhor tem ideia de como será o projeto pedagógico?
Hug - Na Bienal do Mercosul tem uma certa tradição, já houve até curador pedagógico, que talvez fosse um exagero. O projeto pedagógico será feito em colaboração com Sesc, mas não estamos muito adiantados nisso ainda. Será uma bienal mais modesta, terá apenas dois responsáveis - eu e a jovem curadora paulista que vive no Rio de Janeiro Paula Borghi, que assina como curadora adjunta. Paula é uma das criadoras do espaço Saracura, localizado próximo ao Cais do Valongo, uma área antiga do Rio de Janeiro, que foi local de desembarque e comércio de escravos africanos. Eu trabalho no Instituto Goethe em Lagos, na Nigéria, que está localizado no bairro brasileiro que é no Centro Histórico de Lagos. Ele foi fundado por ex-escravos que voltaram do Brasil para a África, depois da abolição. Se instalaram lá, construíram os primeiros sobrados, vários deles tinham aprendidos ofícios como marcenaria e logo fizeram parte da elite da sociedade africana. Estamos em um antigo eixo chamado pelos ingleses de middle pass, uma rota dos navios negreiros, que ligava a África ocidental as Américas. Lagos e Rio de Janeiro, já naquela época, eram dois pontos cruciais no atlântico por conta do tráfico de negros.
Panorama: Podemos adiantar alguns nomes que estarão na Bienal?
Hug: Fizemos, digamos, uma prévia em Lagos da Bienal. Convidamos artistas afro-brasileiros, nigerianos, angolanos e alemães. Entre os nomes afro-brasileiros estão Arjan Martins, Dalton Paula e Jaime Lauriano. Este último, inclusive, será convidado para desenvolver um trabalho em um quilombo do Rio Grande do Sul. Não tenho como divulgar toda a lista, mas já adianto que, entre artistas consagrados, consta Miguel Rio Branco.
Panorama: Foi anunciado em entrevista coletiva comandada pelo novo presidente da Fundação Bienal do Mercosul, Gilberto Schwartsmann, que o orçamento-base será de R$ 3 milhões, ou seja, menos da metade do dinheiro gasto na décima edição. Como driblar esse baixo orçamento?
Hug: Ninguém precisa se preocupar com a qualidade. A tendência das bienais é essa mesmo, de reduzir o número de artistas, com exceção da Documenta de Kassel e da Bienal de Veneza. Eu gosto da ideia de concentrar na praça, não sou a favor de espalhar pela cidade - não só por uma questão de trânsito e de logística, mas uma questão de densidade. Prefiro estar em um lugar só, não precisamos bater nenhum recorde de público, nem de obras e nem de artista. Eu sou um curador que parte do espaço da sala, e como são museus será uma exposição que ocupará, majoritariamente, paredes. Também haverá vídeos e instalações, aos menos duas grandes estarão do lado de fora, assim como as performances.
Panorama: Já estão definidos os eixos temáticos?
Hug: O primeiro tema é um pouco óbvio, mas necessário: O Atlântico e sua travessia tem várias obras que tratam da geografia e da navegação. Depois teremos as matrizes africanas; a cultura indígena; os fluxos migratórios e a diáspora; e o papel do indivíduo dentro de uma sociedade. Sempre lembrando que o tema da Bienal deve ser entendido de forma aberta.