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Rumos da Indústria

- Publicada em 12 de Abril de 2017 às 13:16

Tecnologia digital trará novo perfil à manufatura

Inovações reorganizam o mapa do setor

Inovações reorganizam o mapa do setor


KJPARGETER/FREEPIK.COM/DIVULGAÇÃO/JC
Esqueça a imagem de indústria que você tem na memória. Em poucos anos - talvez pouquíssimos -, as fábricas assumirão novas características, amparadas em tecnologias digitais que levarão a produtividade, a eficiência e os custos a patamares inéditos. Inovações como a manufatura aditiva, as linhas de montagem flexíveis, a robótica e a análise de dados, entre outras, são parte de um processo já em curso que promete revolucionar, mais uma vez, o setor secundário e mudar o mapa mundi industrial.
Esqueça a imagem de indústria que você tem na memória. Em poucos anos - talvez pouquíssimos -, as fábricas assumirão novas características, amparadas em tecnologias digitais que levarão a produtividade, a eficiência e os custos a patamares inéditos. Inovações como a manufatura aditiva, as linhas de montagem flexíveis, a robótica e a análise de dados, entre outras, são parte de um processo já em curso que promete revolucionar, mais uma vez, o setor secundário e mudar o mapa mundi industrial.
Quebras de paradigma não são, evidentemente, terreno desconhecido para a indústria de transformação. Há consenso entre os pesquisadores sobre pelo menos três revoluções no setor. A primeira, mais famosa, ainda no século XVIII, calcada na substituição de processos artesanais por máquinas movidas a vapor; no século seguinte, a segunda metamorfose seria possibilitada pela eletricidade e os motores a combustão; já a terceira, de meados do século XX até agora, viu explodir a automação e o papel da ciência na produção.
Classificar a próxima grande onda de mudança, porém, promete ser mais difícil. "Dependendo do setor, as indústrias usarão tecnologias diferentes. O que há em comum é a incorporação em massa de tecnologias digitais", explica o gerente executivo de Política Industrial da Confederação Nacional da Indústria (CNI), João Emílio Gonçalves. O salto de competitividade, garante, é tão grande que, quem perder o trem dificilmente conseguirá competir com quem aderir - e é isso que determinará a nova disrupção. "Fazer do jeito antigo não vai mais ser viável", projeta Gonçalves.
Quando isso acontecerá de maneira abrangente na indústria mundial ainda é um mistério, mas sabe-se que não há tempo a perder. A velocidade de absorção de tecnologias pela sociedade cresce em ritmo exponencial, e é natural que esse processo acompanhe a tendência. O Fórum Econômico Mundial vê mais de 80% de chance de que, até 2025, pelo menos 5% dos produtos já serão feitos em impressoras 3D, por exemplo.
"Se você não está na mesa da inovação digital, você está no cardápio para ser jantado", radicaliza o CIO da General Electric para a América Latina, Loïc Hamon. O tamanho, afirma, perderá o seu papel decisivo na competição, que será transplantado para quem for mais ágil - "se não se mexer, o elefante vai ser digerido por um cardume de piranhas", continua o executivo de um dos maiores "elefantes" industriais do mundo, hoje com atuação global em pelo menos uma dezena de setores distintos.
Atenta ao movimento, porém, a multinacional criou, em 2015, a sua mais recente subsidiária, a GE Digital. Voltada exatamente à integração de indústrias ao novo modelo fabril, o negócio já fatura US$ 6 bilhões ao ano e, com a demanda em alta, prevê se tornar uma das 20 maiores empresas de software do mundo até 2020. O carro-chefe da empresa é chamado de Predix, uma plataforma que conecta desenvolvedores de programas às indústrias, unindo uma oferta desestruturada a uma demanda que também é fragmentada.
O balão de ensaio da GE, no ano passado, foi realizado em 77 de suas próprias plantas ao redor do mundo, convertendo-as para a utilização de boa parte dessas ferramentas tecnológicas. "Começamos a experimentar cada solução para ver como se comportam para, depois, poder escalar", conta Hamon. O piloto dá ideia do tamanho do salto. Apenas nele, a economia teria chegado a US$ 720 milhões.
Tendências para a Indústria 4.0
  • Automação digital com sensores
  • Com sensores nas máquinas e partes do produto, surge a possibilidade de flexibilização das linhas de produção, permitindo a maior customização dos itens
  • Monitoramento e controle remoto da produção
  • Sistemas do tipo MES e Scada permitem controlar em tempo real o que foi planejado e o que está sendo efetivamente feito e intervir rapidamente
  • Sistemas integrados de engenharia para desenvolvimento de produtos
  • Reduzem o tempo consumido entre elaboração e produção, levando o produto mais rapidamente ao consumidor
  • Manufatura aditiva
  • Em vez de lapidar ou cortar materiais para chegar ao produto, o processo é o inverso: constrói-se por camadas, a partir do zero, como na impressão 3D, extinguindo o desperdício
  • Simulações e análise de modelos virtuais
  • Também ajudarão a reduzir o tempo para que os produtos cheguem ao mercado, além de diminuir os erros
  • Internet industrial
  • A união da Internet das Coisas com o Big Data no setor industrial permitirá a transmissão de uma infinidade de dados dos sensores para a nuvem, onde serão interpretados por algoritmos que, automaticamente, ajustarão a produção
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Ganhos virão principalmente em agilidade dos processos fabris

Tendência é que clientes determinem a produção diária das fábricas

Tendência é que clientes determinem a produção diária das fábricas


JANNOON020/FREEPIK.COM/DIVULGAÇÃO/JC
A ruptura, caso se confirmem as projeções, será forte em relação à manufatura atual. Os principais diferenciais devem ser vistos na rapidez de resposta das fábricas, em níveis há pouco tempo inimagináveis, além da enorme redução de custos com as fases de projeto e os desperdícios na produção. Esse último, baseado principalmente na chamada manufatura aditiva, cujo princípio é a construção por camadas a partir do zero e, portanto, sem sobras.
As tecnologias em si, imagina-se, irão variar conforme as fábricas e os setores em que atuam. Não haverá uma receita de bolo que satisfaça todas as indústrias, portanto. Mas há mudanças estruturais comuns, como o que vem sendo chamado de "customização em massa", por exemplo. "Para ser eficiente, talvez você não precise mais ter um volume gigantesco de um único produto, poderá se fazer em escalas menores com o mesmo nível de eficiência", comenta o gerente executivo de Política Industrial da Confederação Nacional da Indústria (CNI), João Emílio Gonçalves. A situação é oposta à história industrial, calcada em ganhos de escala e na massificação como forma de reduzir custos.
Isso será possível graças à rapidez na obtenção e transmissão de dados dos consumidores, captando mudanças na demanda, além de flexibilidade nas linhas para responder quase que instantaneamente a esses desejos. "Antes, sabia-se mais ou menos como fazer por amostragem, fazia e jogava para o mercado, o que dava certo ou não. Hoje, pode-se usar o virtual e o real para simulações, pois o mercado nos dá uma enxurrada de informações", analisa o diretor de estratégia para as divisões voltadas à digitalização industrial da Siemens, multinacional alemã que é uma das líderes no segmento, José Borges Frias Jr., sobre fenômenos como o Big Data e o uso de algoritmos para análise.
A mudança é tão grande que, na visão do executivo, o modelo deixa de ser o que hoje se chama de B2C (da empresa para o consumidor) para tornar-se C2B (do consumidor para a empresa). Isso porque, mais efetivamente do que nunca, serão os clientes que determinarão a produção diária das fábricas.
Já há, no Brasil, casos de empresas aderindo às tecnologias. A Thyssenkrupp, por exemplo, inaugurou sua primeira unidade do tipo no País no fim de 2015. A fábrica localizada em Poços de Caldas (MG) produz peças para motores automotivos, e utiliza tecnologias de interação máquina-máquina, rastreamento das partes e análise de dados por robôs. Interligadas à matriz, as máquinas da planta recebem atualizações praticamente instantâneas, sem necessidade de etapas manuais que tornavam o processo mais demorado.
Segundo o CEO da divisão de steering (sistemas de direção) do grupo, Daniel da Rosa, a planta ainda não alcança todo o seu potencial, o que deverá acontecer quando toda a cadeia (fornecedores, clientes e consumidor final) também estiver conectada. "Com ela toda interligada, as variações fluem diretamente; e, além de processos, se analisa melhor as tendências de mercado também", afirma. Em termos de recursos, há ganhos, por exemplo, na redução de uso de materiais, na necessidade de estoques parados e em envios desnecessários aos clientes.
Embora não quantifique os ganhos até aqui com a operação, Rosa cita melhorias em qualidade, eficiência e flexibilidade. A fábrica tem capacidade, por exemplo, de gerar informações, depois analisadas, de cada processo. Se na fábrica antiga fazia-se o controle a partir de observações, agora se consegue avaliar no detalhe os esforços - e ajustá-los quando possível.
"Não é mais só olhar a peça final, que pode ser que chegue no fim com todas as partes no local correto, mas entender o que aconteceu dentro do processo, quanto demorou, que força foi feita e tudo mais", comenta o executivo. O acompanhamento ainda permite o rastreamento total das peças, guardando a história de toda a fabricação de cada item, outro diferencial da planta apontada pelo executivo.

Modelo deverá alterar competitividade

Automação extrema pode provocar a substituição de funcionários no chão de fábrica

Automação extrema pode provocar a substituição de funcionários no chão de fábrica


THYSSENKRUPP/DIVULGAÇÃO/JC
Em voga nas discussões em todo o mundo, a chamada Indústria 4.0 desperta a atenção desde a sua primeira aparição pública, em 2011, na tradicional Feira de Hannover, maior mostra do estado da arte da indústria. A aparição em terras alemãs, claro, não foi por acaso - o país é um dos líderes do processo, em paralelo com os Estados Unidos, onde a evolução vem sendo chamada de "manufatura avançada". A ambição de ambos, no fundo, é a mesma: fazer frente à migração da manufatura aos países periféricos nas últimas décadas, reassumindo o protagonismo na indústria mundial.
A possibilidade surge, porque os fatores de competitividade que tanto favoreceram países do Sudeste Asiático e a China, por exemplo, serão bagunçados pela nova configuração. Sempre entre os vilões mais apontados em relação à contabilidade das empresas, o custo da mão de obra, por exemplo, perde relevância com a automação extrema. Os diferenciais, imaginam os analistas, passariam a ser a proximidade e a velocidade de atendimento ao mercado - e os beneficiados com isso, provavelmente, os países com maior poder de compra, qualificação no ensino e capacidade de inovação.
O protagonismo alemão acontece também por conta dos esforços na construção da plataforma - um grupo de trabalho recebeu a incumbência de projetar o futuro do setor e, após anos de estudos, lançou, em 2013, o relatório que embasa o progresso industrial. "Pelo menos quatro players (iniciativa privada, universidades, grandes representações de classe e governo) caminham juntos, e a gente vê uma orientação muito clara de para onde se quer que a indústria vá", comenta José Borges Frias Jr., diretor de estratégia para as divisões voltadas à digitalização industrial da Siemens. O objetivo, argumenta, é viabilizar o setor secundário na Europa, aumentando em 5% a participação industrial no PIB do continente até 2030.
Um dos principais problemas para os pensadores, porém, vem do outro lado: se significa mais competitividade à indústria, a substituição de funcionários no chão de fábrica é um problema social em potencial. A recolocação vem sendo feita na Alemanha com ajuda do governo. "É um momento de transição. Nem todo mundo conseguirá ser recolocado ao mesmo tempo, e talvez nem todos precisem", argumenta o gerente da área de consultoria de gestão digital da PwC, Sérgio Alexandre.
A substituição, porém, não será restrita à manufatura. Segundo estudo realizado pela universidade de Oxford, no Reino Unido, divulgada pelo Fórum Econômico Mundial, há mais de 95% de chance de que profissões como corretores de imóveis, secretários administrativos e avaliadores sejam substituídos pela automação. Já as atividades mais voltadas à criatividade e interpretação, como gerentes de recursos humanos, psicólogos e analistas de sistemas, não chegam a 1% na possibilidade da extinção.
Na indústria, Alexandre comenta que as empresas estariam recapacitando os funcionários para uma visão mais analítica, aproveitando o conhecimento adquirido em seus anos de experiência nas plantas. O gerente ainda vê oportunidades nas indústrias menores, distantes das mudanças, e que teriam ganhos com o conhecimento de profissionais com trajetória nas grandes empresas. "Seria um retrocesso descartar as pessoas. As máquinas são 'burras', precisam de gente para analisar o que está sendo gerado, e a empresa depende de pessoas experientes para entender os gostos dos clientes, por exemplo", continua Alexandre.
Captar o desejo dos consumidores, aliás, é visto como vital para a indústria do futuro. Ganhará terreno quem entregar o produto certo na hora certa. "Quando a régua for a mesma, com todos os países com indústrias avançadas, entraremos em outra guerra que será a de quem conhece melhor o consumidor e consegue personalizar mais os seus produtos", projeta Alexandre. Na teoria, quem melhor conhece (e mais rápido atende) o público consumidor é quem está mais próximo dele. É aí que reside a esperança dos países ocidentais em recuperar parte da manufatura perdida nos últimos anos - inclusive o Brasil, ainda engatinhando na conversão à nova fase industrial.
A situação brasileira será tema da próxima reportagem da série Rumos da Indústria, no JC Empresas & Negócios da próxima semana.